junto à Namíbia. Povo nómada, habituado a ser perseguido pela maioria
banto, os bosquímanos juntaram-se de bom grado aos portugueses e depressa
revelaram uma admirável capacidade de sobrevivência no mato e de recolha
de informações. Guias fiáveis, pisteiros exímios, muito eficientes na
infiltração e eliminação, eram usados em operações especiais com rara
eficácia. Era difícil convencê-los a fazer prisioneiros. Quando largados
sozinhos, limitavam-se a matar o inimigo e a recolher os documentos
importantes. A esta força de elite altamente treinada juntaram-se depois ex-
guerrilheiros com bons conhecimentos do território e das populações locais.
Apoiavam incondicionalmente os agentes da PIDE/DGS e as unidades
regulares do exército, quando cedidos pelos primeiros.
De qualquer modo, os flechas combatiam com gosto mas não tinham os
mesmos interesses dos comandos. Gostavam da sua condição guerreira e de
se poderem vingar de outros grupos étnicos seus inimigos seculares, mas as
convicções políticas deles eram nulas e a determinação em defender o império
colonial dos brancos seria, quanto muito, motivada pelas vantagens de serem
leais aos portugueses. Já os comandos punham os interesses da pátria acima
de qualquer outro, obedeciam aos comandantes sem reservas mentais e
cumpriam o código de conduta como um ditame religioso.
Quando o tenente Macário viu os comandos passarem pelos seus homens
extenuados e agradecidos sentiu-se frustrado. Ele pensava como os soldados
de elite, mas sabia que comandava jovens pouco motivados, contrafeitos,
enviados para a guerra para cumprirem o serviço militar obrigatório. Não
tinham escolha e, portanto, não tinham vontade de ganhar. Eles não estavam
interessados em combater e o tenente só conseguia manter a disciplina nas
fileiras com mão de ferro. Havia dois factores adicionais que os levava a
enfrentar o inimigo: a necessidade de sobreviverem e o desejo de vingança.
Lutavam para não morrer mas, quando um camarada, um amigo, caía ao lado
deles, trespassado pelas balas, já não precisavam de incentivos para se
atirarem aos guerrilheiros. O medo, a raiva, a tensão permanente, era uma
poderosa mistura de emoções levadas ao extremo, era um convite ao
descontrolo e à loucura, um afrodisíaco que excitava os instintos selvagens e
o desejo lascivo de fazer o mal, de destruir vidas. O tenente já vira os homens
mais pacatos perderem a cabeça e tornarem-se sanguinários e sádicos de um
momento para o outro, capazes de explosões de violência chocantes. Também
havia alguns tipos calados que chegavam àquele ambiente estranho com uma
arma nas mãos e aproveitavam a impunidade da guerra para descarregarem
uma vida inteira de humilhações, de frustrações.