O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

Mas a maioria só queria que aquilo acabasse depressa. Tratavam bem as
populações indígenas, embora com a indulgência típica dos brancos
sofisticados perante os pretos básicos. Estes revelavam-se amistosos e até
subservientes e os soldados portugueses lidavam muitas vezes com eles como
se fossem crianças interesseiras. O próprio tenente era ocasionalmente
chamado para mediar conflitos entre membros da mesma tribo e via-se metido
em trabalhos, no papel de juiz, a falar grosso com todos, a distribuir ralhetes
por igual, a recorrer ao bom senso para não ferir susceptibilidades que tanto
podiam acabar em banhos de sangue como em rodadas de cerveja, conforme
as suas qualidades diplomáticas para gerir astúcias pueris.


O quotidiano das tropas colocadas naquele sertão longínquo feito de
planícies douradas e nostálgicas erguia-se com o Sol escaldante e decorria
sem urgência, entre patrulhas forçadas, abrasadoras, e outras obrigações de
quartel, e deitava-se com o pôr do Sol encantado, que fazia correr muita tinta
nas cartas românticas enviadas às mulheres para a metrópole. Na época das
chuvas, a humidade, o calor, as águas torrenciais afogavam os homens em
estados depressivos, obsidiantes.


Já quase não se combatia, a presença militar era consequência do exercício
da soberania e tinha-se a sensação de que a vida estava atolada num compasso
de espera e que continuaria em breve, eventualmente, depois daquilo. Não
havia divertimentos nem nada para fazer que parecesse importante ou, pelo
menos, nada que uma pessoa sentisse que pudesse contribuir para a sua
prosperidade. De modo que se matava o tempo o melhor possível e
aguardava-se. A notícia da revolução em Lisboa, a expectativa da
desmobilização em breve tinha sido a derradeira machadada na moral dos
homens. E, não fosse a estupidez do capitão que, na sua ingenuidade idiota,
espicaçara o inimigo derrotado a aproveitar a oportunidade de conquista que
lhe era oferecida de bandeja, nem sequer teria havido aquele derradeiro
confronto.


O capitão veio saudar os guerreiros depois da batalha, mas os soldados,
numa atitude que era já sinal dos tempos revolucionários que se viviam,
ignoraram-no. Normalmente, o tenente Macário teria sido o primeiro a
intervir para obrigar os homens a formar na parada, em sentido, na presença
do capitão, porque não admitia indisciplinas em qualquer circunstância. Mas
hoje a revolta do tenente era tanta que não mexeu um dedo para poupar o
superior ao achincalhamento. O tenente pensou que se o tipo era um idiota e
se, por causa dele, morrera um soldado e outros tinham ficado feridos, então
que se havesse sozinho com o descrédito em que tinham caído as suas divisas.
Convidar o inimigo para o quartel, meter o lobo na capoeira? pfff... o gajo

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