O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

que se lixasse.


O capitão, embaraçado, teve de andar a desviar-se das pernas estendidas dos
soldados estafados, cobertos de lama seca e de pó, meio deitados pelo chão,
sem maneiras, a fumar charros e cigarros, displicentes, impávidos, com
expressões paradas nos rostos marcados por muitas horas sem dormir, muitas
horas sob stress , e olhos fixos no horizonte a observarem com admiração a
fogueira de napalm . O oficial, receoso de que tivesse de enfrentar um motim,
preferiu não tomar uma posição de força e fingiu não perceber o desafio
ostensivo à sua autoridade. Fez de conta que não havia problema nenhum e
tartamudeou vagamente uma autorização para que se deixassem estar, como
se alguém tencionasse fazer outra coisa. Foi avançando por entre as pernas
que lhe atrapalhavam o caminho, foi tecendo elogios, obsequiando a valentia
dos homens debaixo de fogo, todo sorridente, mas sentindo-se tolo,
disfarçando mal o incómodo de ninguém lhe ligar peva. Ainda por cima, é
cobarde,
pensou o tenente, idiota e cobarde.


Ao contrário dos soldados, Nuno encontrava-se de pé e de costas para o
incêndio que consumia o mato. Observava de longe o seu avião, desconsolado
com os estragos provocados pelas balas. O aparelho, estacionado na placa,
parecia um passador, furado de uma ponta à outra. Nuno não se sentiu à-
vontade para ir inspeccioná-lo de perto, receou que ainda houvesse lá por fora
algum franco-atirador inconformado e não quis aventurar-se em campo
aberto, mas bastou-lhe olhar à distância para perceber que o Dornier iria
precisar de um bom arranjo.


Ao achá-lo ali, isolado e contemplador, o capitão viu em Nuno a saída para
a sua desonra e, de braços abertos, foi cumprimentá-lo efusivo e grato.


— Cá está o nosso anjo voador! — exclamou. Nuno sorriu.
— Tens um cigarro? — pediu-lhe.
— Claro que tenho — respondeu o capitão, estendendo-lhe um maço. —
Fica com todos!


—   Obrigado.   Fumei   os  meus    durante a   noite.
— Foi uma noite e peras, hã?
— Se foi.
O capitão acendeu-lhe o cigarro com um isqueiro. Acendeu outro para si.
— Se não fosses tu, não estaríamos agora aqui a fumar.
— Antero — invectivou-o, baixando a voz para não ser ouvido pelos
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