soldados — qual foi a ideia de convidar os turras?
O capitão encolheu os ombros, incomodado, desviou os olhos, concentrou-
se no horizonte, pensativo, a cofiar o seu bigodinho bem cuidado.
— Foi uma iniciativa de paz — explicou.
— Uma iniciativa de paz? Com estes gajos?!
— Sim. A guerra está acabada. Não temos mais nada a fazer aqui. É a terra
deles.
Nuno abanou a cabeça, desconcertado.
— Isso — disse — é o que estamos para ver. Lisboa ainda não disse que
acabou, pelo contrário, disse que a guerra só acaba quando eles depuserem as
armas.
— Era o que eu pretendia — disse o capitão, desanimado. — Queria fazê-
los compreender que já não tem sentido andarmos aos tiros.
— Pelos vistos — comentou Nuno — eles não acham o mesmo.
— Pelos vistos, não.
O tenente Macário observava o capitão Antero a segredar com Nuno de
braço passado por cima dos ombros, via-os unha com carne, perplexo com
tanta amizade. A porra da vida nunca acabava de o surpreender, pensou, quase
revoltado. Ia-se a ver e eram todos a mesma merda, encrespou-se, presumindo
que, se um era amigo do outro, então deviam ser os dois do mesmo género.
Nuno conhecia-o de Luanda, da casa dos vizinhos, pais de Antero. Dona
Natércia, sua mãe, apresentara-os num jantar e, desde então, tinham encetado
uma amizade, um relacionamento, que não chegava a ser de grande
intimidade, mas era muito cordial.
O capitão levou Nuno para dentro com promessas de um banho e roupa
lavada. Passaram pelo tenente.
— Dê descanso aos homens — disse, ele próprio num tom esgotado — que
bem precisam.
— Sim, meu capitão.
O superior fez uma pausa dramática, suspirou, disse:
— Sabe, tenente, a maldade é a característica mais perene do ser humano.