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Regina ouviu a chave rodar na porta da rua, ouviu-a bater, alguém
aproximar-se. Estava sentada no sofá da sala, dobrada sobre os joelhos com o
rosto escondido nas mãos. Levantou a cabeça e descobriu Nuno encostado à
ombreira da porta da sala. Olharam-se em silêncio.
— Olá — disse ele, em voz baixa.
Ela não lhe respondeu. Ergueu-se nas pernas pouco firmes, nos joelhos a
tremerem na ressaca do medo que a mantivera num estado de nervos, num
desespero, à beira do pânico, sozinha naquela sala durante dias, à espera que o
telefone tocasse. Aguentara-se à base de cigarros, de café e da adrenalina que
o seu corpo produzia a cada toque da campainha da porta, do telefone, a cada
sinal de notícias, boas ou más.
Aproximou-se de Nuno, parou à sua frente, cruzou os braços e encarou-o
com os olhos vermelhos, esforçando-se para manter a compostura.
— Onde é que estiveste?
— No Leste, na base...
— O que é que aconteceu?
— Tive uma avaria e fiquei retido em terra. — Não era exactamente
mentira, embora também não fosse totalmente verdade, mas quis poupá-la aos
pormenores mais sinistros.
Ela fechou os olhos, como se atingida por um pontada dolorosa, abriu-os.
— Tiveste uma avaria... — Nuno abanou a cabeça.
— Sim — disse.
— E não podias ter-me telefonado? Não te lembraste de me dizer que
estavas bem, que não tinhas tido um acidente? Eu aqui a pensar que podias ter
morrido, a imaginar tudo e mais alguma coisa, aflita.
— Claro que me lembrei, Regina, mas houve um ataque e estivemos
debaixo de fogo. Aquilo é no fim do mundo, não tem telefones, as
comunicações não são fáceis.
Regina ergueu as mãos, como que a render-se.
— Ah, houve um ataque, estiveram debaixo de fogo, tiveste uma avaria.
Ah, pronto, estou muito mais descansada.