— Porquê?
— Porque tenho medo.
— Tens medo de quê?
— Tenho medo do escuro.
— Está bem, mas só esta noite.
Nuno sentiu-se esmagado com as palavras dela. Lembrou-se de si em
menino, à espera em casa, sem conseguir adormecer enquanto o pai não
regressava à noite, muito bêbado, zangado com o mundo, enredado no
reposteiro que escondia a porta da rua, a tropeçar na mesa das chaves do
corredor, a deixar-se cair no sofá da sala, a rebolar involuntariamente para o
chão, a cambalear na direcção do quarto. O pai nunca lhe batia, rosnava-lhe
mas não lhe batia. Ou então ignorava-o, que era, de resto, o que acontecia na
maior parte das vezes.
Nuno ouviu Regina e não fez nenhum comentário, mas quando ela se calou
viu que ele tinha os olhos brilhantes, uma expressão plangente, um nó na
garganta, um sentimento de culpa inequívoco. Viu-o levantar-se, encaminhar-
se para junto do filho, ajoelhar-se a seu lado e abraçá-lo durante muito tempo.
Regina guardou aquela imagem e aquele dia para si, como uma lembrança de
reconciliação e de paz, uma das últimas, antes da cidade enlouquecer e se
tornar pasto do egoísmo destruidor dos homens.