O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Em reconhecimento dos abnegados esforços de Nuno para salvar a base, os
mecânicos tinham tomado de assalto o Dornier e conseguiram pô-lo de novo
operacional em apenas um dia e meio. Em virtude de o DO-27 ser um modelo
que equipava a Força Aérea Portuguesa, não foi difícil conseguir peças
sobressalentes para o avião. Substituíram a hélice e o pára-brisas partido e
repararam o motor que, em sinal de gratidão, foi contemplado com mais peças
novas do que realmente precisava.


Os trabalhos iniciaram-se logo no dia seguinte, ao raiar da manhã, depois da
operação de limpeza levada a cabo pelos comandos ter sido dada por
concluída. Os mecânicos rebocaram o aparelho para junto do hangar e
dedicaram-se à tarefa de recuperar o avião. Enquanto os observava a
trabalhar, Nuno fumava um cigarro contemplativo. Ao fundo, perto da bateria
de holofotes que o inimigo havia desfeito a tiro, via-se uma tenda branca
aberta nos quatro lados. Debaixo dela, uma mesa comprida e cadeiras à volta.
Tinha sido erguida por ordem do capitão Antero para ali decorrer uma
cerimónia formal de boas-vindas aos dignitários da guerrilha. Agora, a
estrutura — que fazia lembrar a Nuno uma tenda do deserto — era um monte
de escombros empoeirados e enfarruscados. Um dos paus de apoio pendia
partido ao meio e o que restava da cobertura, varrida pela metralha, adejava
com a brisa matinal e arrastava a ponta pela terra. A mesa, também com duas
pernas partidas, assentava uma das extremidades no chão, transformada em
rampa de lançamento de coisa nenhuma; as cadeiras jaziam caídas em redor.


Ao fundo, um grupo de soldados ocupava-se a erguer uma nova vedação,
visto que a anterior havia derretido no incêndio de napalm . O mesmo
acontecera com a frente de árvores frondosas que havia depois da rede. A
paisagem alterara-se radicalmente e hoje Nuno já conseguia abarcar um
panorama a perder de vista, que se estendia para lá da mancha negra de cinzas
fumegantes que restavam das árvores consumidas pelo fogo ateado pelas
bombas.


O Dornier ficou pronto e Nuno preparou-se para rumar a Luanda,
preocupado por não ter conseguido fazer chegar um recado a Regina. Tentara
fazê-lo via rádio, mas por aqueles dias as comunicações militares estavam ao
rubro e a última coisa que alguém queria saber era de uma mensagem
particular para sossegar a esposa aflita de um civil. O capitão Antero foi
despedir-se pessoalmente. Já a rolar na pista, Nuno teve um último

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