pensamento para o filho dos seus vizinhos e não lhe ocorreu nada de elogioso
para o caracterizar. Depois daquele episódio ficou com a impressão de que o
homem era um perfeito idiota, mas um idiota com poder, ambicioso e
perigoso. O capitão estava ligado ao MFA, o movimento que fizera a
revolução em Lisboa e cujas ramificações se espalhavam rapidamente pelas
Forças Armadas em Angola. A avaliar pela precipitada iniciativa de paz
localizada do capitão Antero, se o oficial fosse uma amostra daquilo que eram
os responsáveis da nova autoridade militar portuguesa, pensou Nuno, em
breve, o processo angolano seria semelhante a um comboio desgovernado a
caminho do desastre.
O Dornier tirou as rodas do solo e ergueu-se no ar com uma subida
acentuada. Senhor de uma manobralidade extraordinária, ganhou altitude
rapidamente e tomou o rumo de Luanda. Sozinho com os seus pensamentos,
descontraído aos comandos do avião, Nuno deduziu que o poder militar se
estava a transferir para as chefias intermédias do exército, representantes do
MFA no terreno, e que o movimento não iria abdicar de conduzir a política da
nova doutrina anti-guerra que motivara o golpe de Estado. A poeira da
revolução ainda não assentara em Lisboa, mas Nuno já antevia algumas
fatalidades. Com efeito, acabar com o conflito armado implicaria a retirada
militar das colónias africanas e, inevitavelmente, a descolonização. Por outras
palavras, seria o fim do império colonial português. Ora, a desmotivação das
tropas, as intenções das chefias, o rumo político da metrópole, o desnorte no
Ultramar, todos os indícios indicavam que era isso mesmo que iria acontecer.
Contudo, a população branca em Angola rondava as trezentas mil almas, mais
de metade nascida no território, o que tornava um eventual processo
descolonizador num pesadelo logístico, isto é, admitindo que as pessoas
tencionassem regressar a Portugal. Quem é que, no seu perfeito juízo,
quereria abdicar da empresa, da fábrica ou da fazenda, dos anos de
empenhamento, do investimento pessoal de uma vida, da casa, do carro,
enfim, largar tudo e embarcar com a família de mãos a abanar e com um
futuro vazio? Só se fossem expulsos é que os civis partiriam.
O mínimo que se esperaria dos governantes portugueses seria que
acautelassem os interesses dos seus compatriotas em África através de uma
negociação capaz de garantir uma transição pacífica e a manutenção das
colónias na esfera da influência política portuguesa. Era vital que os novos
países, a concretizarem-se, não fossem largados às feras, que se deixassem
instituições democráticas a funcionar em pleno. Um exército único, eleições,
um governo, um parlamento, uma máquina administrativa. Era vital, pois sim,
mas não era nada disso que Nuno conseguia perspectivar para Angola naquele