O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

momento. Os oficiais do novo MFA adivinhavam-se demasiado jovens,
politicamente inexperientes, porventura deslumbrados com o seu recém-
adquirido estatuto revolucionário e, quem sabia, idealistas aventureiros
condicionados por doutrinas internacionalistas contrárias aos interesses
portugueses mais óbvios. E, como Nuno acabara de testemunhar, os actos
ingénuos dos espíritos voluntariosos causavam vítimas.


Vemo-nos em Luanda, dissera o capitão Antero antes de Nuno levantar voo
e, realmente, algo lhe dizia que ainda voltaria a ouvir falar dele.


Apesar de toda a atenção que o avião recebera dos mecânicos da base no
Leste, o Dornier precisou de receber um profundo arranjo adicional em
Luanda. Era necessário reparar os muitos estragos provocados pela metralha
na fuselagem. De modo que o DO-27 estava condenado a passar uma longa
temporada em terra. Mesmo com a intervenção desembaraçada do senhor
Dantas para desbloquear os meios necessários a uma reparação célere, havia
muito trabalho a fazer para pôr o avião em perfeitas condições.


Viviam-se tempos de mudança e Nuno, pressentindo que o seu negócio
estava a morrer, não se entusiasmou com a sugestão do senhor Dantas de
untar algumas mãos com umas massas valentes para que alguém fizesse o
milagre da reparação imediata. Nuno ficara perturbado com o que Regina lhe
contara de André — É por minha causa que o pai nunca está em casa? ,
perguntara-lhe a criança. As palavras ainda lhe ressoavam no espírito, faziam-
no sentir-se culpado. De modo que a sua prioridade imediata era o filho. De
manhã, levava-o ao colégio, e à tarde ia buscá-lo. Ao final do dia
encontravam-se com Regina na loja e os três davam um passeio até à ponta da
Ilha, jantavam fora ou, simplesmente, regressavam a casa a pé, descontraídos
como uma verdadeira família. André era outra vez uma criança feliz, Regina
levitava de felicidade, Nuno sentia-se surpreendentemente bem no seu novo
papel de pai devoto. Mas a alegria deles contrastava com a apreensão que os
rodeava e que, de dia para dia, se acentuava, qual véu da desgraça a descer
sobre as suas cabeças despreocupadas.

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