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— Já está — disse Nuno, batendo com as costas da mão no jornal. — É o
fim.
— O que é que é o fim? — perguntou Regina, desviando a atenção de
André, a quem limpava uns grandes bigodes de leite com um guardanapo de
papel. Tomavam o pequeno-almoço na pastelaria Presidente, na Baixa.
Nuno voltou para Regina a primeira página do A Província de Angola.
— Aprovaram ontem a lei — disse. Referia-se à lei 7/74 que reconhecia
especificamente o direito à autodeterminação, com todas as suas
consequências, nomeadamente a independência dos territórios ultramarinos.
O próprio Presidente da República, o general António de Spínola, que sempre
defendera um regime federalista para Angola, acabara por claudicar perante
as pressões no sentido de uma descolonização sem restrições.
Regina leu a manchete em silêncio e acabou de limpar a boca ao filho.
— Temos de começar a pensar em regressar a Lisboa — disse depois, num
tom de quem pensa em voz alta. Nuno levantou os olhos do jornal. Tinha uma
ruga apreensiva na testa.
— E vamos para Lisboa fazer o quê? — Deixou cair a pergunta, sem
agressividade, sem querer censurar Regina, apenas a exprimir a sua
preocupação. E ela, fitando-o, pensou que nunca lhe tinha visto aquela
expressão perdida nos olhos. Nuno sempre enfrentara as dificuldades com a
força de um furacão mas, por momentos, pareceu-lhe desorientado, como se
se sentisse atropelado pela voracidade dos acontecimentos.
— Alguma coisa se há-de arranjar — comentou ela.
— Sim — concordou Nuno, recuperando o alento. — Havemos de nos
safar. — Depois voltou ao jornal, onde uma notícia mais mundana referia que
a esplanada do cinema Miramar, sobranceiro à baía de Luanda, esgotara para
ver o filme Pierrot le Fou , de Jean-Luc Godard.
Era domingo, 28 de Julho de 1974. A data ficaria gravada na memória de
Regina como o seu último dia feliz em Luanda. Compraram sandes e bolos na
pastelaria antes de seguirem para o clube náutico, onde puseram o barco na
água e foram passar a tarde à praia do Mussulo.
O medo e a incerteza alastraram por toda a cidade como uma epidemia. Os