O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Nuno e Regina aproveitaram a boa vontade da vizinha, a dona Natércia, que
se disponibilizava sempre para ficar com André quando eles queriam sair à
noite — coisa que já não faziam há meses, pois Angola ia a caminho da
independência e, como diziam os mais cínicos, já a celebrava com fogo real.
Os duelos armados aconteciam nos bairros negros, onde os civis eram
apanhados no fogo cruzado dos guerrilheiros e trespassados pelas balas que
matavam o seu próprio povo. Os mortos eram às centenas e só por pudor —
ou, quiçá, por uma questão de semântica oficial — é que o governo não
reconhecia que se tratava de uma guerra civil. Os três movimentos que
haviam combatido o exército português nos confins do sertão durante a última
década tinham chegado à capital com mais armas que bagagens. Depois dos
acordos de cessar-fogo, reforçados mais tarde pelo Acordo de Alvor —
assinado em quinze de Janeiro de 1975 e que definia os termos da
descolonização aprazada para onze de Novembro desse ano —, os
movimentos começaram a abrir sedes políticas um pouco por toda a cidade.
Frequentemente, porém, FNLA^2 e MPLA, os que possuíam mais armas,
bombardeavam as sedes do opositor com todo o fogo que tinham à mão. A
UNITA também entrava na dança da morte, mas os dois primeiros eram os
campeões das atitudes inconvenientes, como eram oficialmente classificados
estes incidentes. O processo político estava, portanto, a ser torpedeado pelos
intervenientes militares, nas barbas da autoridade portuguesa que se limitava a
fazer piedosos apelos à calma.


À falta de melhor solução, ou de vontade, para encontrar interlocutores que
representassem a maioria do povo angolano, os governantes portugueses
elegeram os três movimentos de libertação, inimigos de outrora, para negociar
uma descolonização que, cada vez mais, parecia uma aflição de derrotados a
quererem livrar-se da batata quente em que se tornara a colónia, inóspita para
os europeus. Os mesmos soldados que haviam feito uma revolução em prol da
democracia em Portugal, abdicavam definitivamente de a impor — ou sequer
de a promover — em Angola.


Quanto ao governo português, limitava-se a fazer o papel de Pilatos. O
próprio acordo definitivo para Angola, supostamente, liderado pelo executivo,
tinha sido de facto redigido pelos líderes dos movimentos guerrilheiros uma
semana antes em Mombaça, no Quénia, e assinado por baixo pelos
responsáveis portugueses. De qualquer modo, era só um pedaço de papel sem
valor, porque a guerrilha nunca ponderara seriamente a realização de eleições.
Esta, dividida por ódios de morte, trataria a questão a tiro de canhão. Era

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