Continental e a impressão de que nada mudara em Luanda. Pelo menos, a
clientela mudara, definitivamente.
Quando saíram do hotel foram para casa de carro porque, embora não fosse
muito longe, preferiram não arriscar um passeio a pé. A época não estava para
caminhadas nocturnas. Demasiadas armas à solta em demasiadas mãos
criavam um ambiente de tensão e um sentimento de impunidade. Qualquer
mal-entendido era resolvido ao estilo do Velho Oeste e as urgências militares
deixavam os criminosos comuns em roda livre. De modo que eram muitos
imponderáveis juntos para uma pessoa brincar com a sorte. Desde o golpe de
Estado de 25 de Abril, a segurança em Luanda degradara-se muito depressa e
hoje em dia qualquer um podia ser assassinado ao virar da esquina em virtude
de inconfessáveis conveniências políticas, ou simplesmente vitimado por um
assalto que acabasse mal.
Nuno estacionou o Volkswagen à porta do prédio. Saíram do carro e
caminhavam para casa quando viram aproximar-se um vulgar camião de caixa
aberta, que passou por eles a descer a rua. Regina levou a mão à boca,
chocada, ao reparar na carga do camião. Ia cheio de corpos empilhados e a
pingar um rasto de sangue pela rua fora. Transportava dezenas de cadáveres e
eles nunca viriam a saber quem eram aquelas pessoas, aqueles mortos sem
nome.
Nessa noite, depois de deitarem André, sentaram-se na sala e tiveram uma
longa conversa.
— Eu não aguento mais isto — declarou Regina, a tentar acender um
cigarro entalado nos dedos que lhe tremiam descontroladamente. — Quero ir-
me embora para Lisboa.
Os nervos eram tantos que não conseguia a firmeza necessária para acender
o isqueiro e chegar a chama à ponta do cigarro. Nuno tirou-lhe os dois,
acendeu o cigarro e passou-lho. Depois acendeu um para si.
— Calma, Regina — recomendou-lhe, soltando uma baforada cinzenta para
o tecto. — Estás muito nervosa com o que viste e não estás a raciocinar com a
tranquilidade que o assunto exige.
— Não me interessa — retorquiu ela, irritada. — Quero ir-me embora.
— Não digo que não, só acho que não devemos tomar uma decisão tão
importante em cima do joelho.
— Ah, deixa-me rir! — explodiu ela, com uma agressividade que o