O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

portugueses já partiu, a outra metade está de malas feitas. A propósito, manhã
vou levar a Laurinda ao aeroporto.


— A Laurinda vai-se embora amanhã?
Regina abanou gravemente a cabeça. Laurinda estava pelos cabelos,
mandava tudo à fava, fazia a mala, partia.


— Vai, pois. Diz que não suporta mais este ambiente, esta decadência, tem
os nervos em franja e está morta de medo. E nós, Nuno? — A pergunta ficou
no ar. Nuno apagou o cigarro e acendeu outro logo a seguir. Regina encostou-
se ao parapeito da janela, de braços cruzados, ainda a fumar o seu.


— Muito bem — disse Nuno, rendido. — Vamo-nos embora. Mas vamos
fazer as coisas bem feitas. Primeiro quero salvar o que for possível, vender o
avião, se conseguir, arranjar algum dinheiro. Depois partimos.


— De acordo. Mas fá-lo depressa, porque eu não aguento muito mais.
— Começo a tratar disso amanhã — prometeu.
Regina assentiu com a cabeça, aproximou-se da mesa de centro em frente
ao sofá, abaixou-se para apagar o cigarro no cinzeiro.


—   Agora   vou dormir, que estou   de  rastos.

A decisão estava tomada, no entanto, por vontade de Nuno, a hora da
partida haveria de se arrastar indefinidamente, porque, na ânsia de juntar
dinheiro para recomeçar a vida noutro lugar, ele arranjaria sempre mais um
pretexto para a adiar um dia e mais outro e mais outro. Mas Regina tinha
razão, o perigo espreitava e os incidentes armados, os protestos populares, as
provocações para desestabilizar a ordem pública e perturbar os civis brancos e
o exército, eram cada vez mais frequentes. A guerra estava muito perto, os
soldados portugueses corriam de um lado para o outro quais bombeiros a
apagar fogos e, em breve, invocar o inferno para definir a vida em Luanda
não seria, certamente, nem um exagero nem um lugar-comum. E o pior é que
eles, tal como as outras pessoas, não eram imunes às balas.


2    Frente Nacional    para    a   Libertação  de  Angola.
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