O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Naquela época, ser jornalista em Luanda podia ser uma profissão muito
excitante, mas não seria, definitivamente, a mais aconselhável para quem
desejasse uma vida longa e isenta de sustos de morte. Os próprios jornalistas
locais — uma boa parte deles, pelo menos — haviam abandonado o seu dever
de isenção para se constituírem um dos segmentos fulcrais de uma guerra pelo
poder que se travava em vários campos simultâneos, na política, na rua, na
corrida às armas, no recrutamento de efectivos para os exércitos dos três
movimentos de libertação e na comunicação social, naturalmente. Dominar a
comunicação social era fundamental por se tratar do veículo de propaganda
mais poderoso que os movimentos podiam utilizar para concretizarem os seus
objectivos, para manipularem a população desorientada e assustada. O que
levava os jornalistas a alinhar nestes esquemas e a subverter o princípio
fundamental da sua profissão? Havia muitas respostas: o fervor
revolucionário que se vivia, com todos os excessos de uma época ainda mal
definida, o fim da censura e a liberdade de escrever à tripa forra coisas que
antes davam prisão, um lugar que se ganhava a troco de algo, dinheiro, poder,
as duas coisas juntas. Bastava ver o caso de Patrício, o jornalista amigo de
Nuno e Regina, a trabalhar na Emissora Oficial, contratado por um chefe de
redacção militante encartado do MPLA, este, por sua vez, contratado por um
director-geral empossado pelo homem do MFA para a comunicação social.
Portanto, se se perguntasse porque havia jornalistas alinhados e sem
complexos, poder-se-ia dar muitas respostas, mas no fim iam todas dar à
política e ao dinheiro, ou ao poder e aos empregos, que era o mesmo por
outras palavras.


O tal chefe de redacção da Emissora Oficial, poeta, activista do MPLA,
libertado da prisão do Tarrafal onde os portugueses o tinham enfiado durante
treze anos, desde que tomara conta do cargo transformara a rádio numa
espécie de megafone do poder popular. A desfaçatez era tanta que numa
dessas noites de anarquia em Luanda, em que cada um fazia o que lhe
apetecia e que se lixassem os acordos assinados, o dirigente mais importante
da FNLA em Angola perdeu a cabeça e decidiu tratar do caso pessoalmente.
De modo que foi com os seus soldados à Emissora Oficial para meter juízo na
cabeça daquele apoiante descarado do MPLA, ou meter-lhe mesmo uma bala
na cabeça, não se tivesse dado o caso de o homem não se encontrar ali a jeito
para uma execução sumária. Sorte a dele, mas não muita, porque, depois de
destruírem uma quantidade apreciável de equipamento, os soldados da FNLA

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