O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

um posto novo, começaria outra vez, que se lixasse, também já não era a
primeira vez, pois não?


— Pois não — assentiu Regina, com um sorriso compreensivo. Passou-lhe
a mão pelo cabelo, uma carícia, para a sossegar.


— E tu, vê se vens depressa, mete-te num avião, o que é que ficas cá a
fazer?


— Eu sei lá — encolheu os ombros, fez uma expressão de comédia, uma
falsa despreocupação. — Temos alguns assuntos por resolver. O Nuno quer
vender o avião.


— Ah, o Nuno...
— O que é que tem?
— Nada.
— Laurinda, não comeces — advertiu-a, sem se arreliar a sério.
— Não, não — afastou a ideia com uma mão. — Não estou a dizer nada.
Quem sou eu para te criticar. — Suspirou. — Bolas, já tive cada doido na
minha vida. Ao pé dos meus dois ex., o Nuno é um marido dedicado.


— Pelo menos, divertiste-te.
— Lá isso... — alegrou-se com alguma recordação perversa. — Foram uns
bons anos, não foram?


— Hum-hum — Regina fez que sim com a cabeça. Sorriram, cúmplices, e
dali a pouco tinham passado do sorriso tímido à gargalhada nervosa. Foram-
se acalmando, limparam as lágrimas do riso, soltaram um suspiro do fundo da
alma.


— Mas acabou-se o que era bom — disse Laurinda, entristecendo na
consciência de uma nostalgia súbita. — Agora, o que eu quero é pôr-me a
andar deste manicómio. E tu devias fazer o mesmo, ouviste?


— E vou, está descansada que vou — garantiu-lhe. — Não tarda nada,
estamos outra vez juntas, em Lisboa.


— Tens o número de telefone da minha mãe, guardaste-o? — perguntou-lhe
pela enésima vez. — Vou ficar na minha mãe, não te esqueças.


— Não me esqueço, Laurinda, tenho o número aqui comigo.
E, ah, Regina..., desfez-se num vale de lágrimas, abraçada a ela, enquanto
atrás uma voz dizia, a senhora tem de vir, que vamos começar o embarque.

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