O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

Atravessou a sala de espera do aeroporto como pôde, a tropeçar em pessoas.
Havia gente por todo o lado, para onde quer que se voltasse, homens,
mulheres, crianças, velhos, sentados até ao fim dos bancos corridos e
continuando depois pelo chão fora, cercados de bagagem, malas e sacos e
caixas de cartão, prestes a serem engolidos pelos salvados de uma vida.
Regina contornou braços e pernas, corpos sem compostura, já sem posição,
deitados de qualquer maneira na pedra fria ou encostados às colunas e às
paredes. Esperavam um lugar num avião. Viu centenas de rostos resignados,
mulheres assustadas, fartas de chorar, a quem já tinham secado as lágrimas,
seguravam os seus bebés, embalavam-nos maquinalmente enquanto as
crianças mais velhinhas brincavam à solta, a correr por onde calhasse,
excitadas com aquilo tudo, inconscientes do drama que viviam; viu homens a
fumar desalmadamente, um cigarro atrás do outro, para terem as mãos
ocupadas, e reparou nos seus olhos vermelhos, no seu olhar vago. Pareceram-
lhe mais desorientados do que as mulheres. Sentia-se um odor desagradável
no ar quente e húmido. Demasiada gente junta, apertada, durante demasiado
tempo. Há semanas que aquele terminal estava cheio com um afluxo
permanente de pessoas e não era lavado, não se passava uma esfregona no
chão porque mal se conseguia ver o chão. O ambiente era pesado mas
relativamente tranquilo. Escutava-se um rumorejar reverente de vozes
humildes, o choro de uma ou outra criança; aqui e ali, ocasionalmente, podia
rebentar uma discussão entre adultos, mas não passavam de arrufos que se
dissolviam depressa, rostos carrancudos que trocavam meia dúzia de palavras
ásperas e depois se separavam. Se vinha um funcionário chamar alguém para
embarcar, logo o rodeavam com uma chuva de perguntas, de reclamações
suplicadas, a quererem saber porque iam uns e não iam os outros, qual era o
critério, quando seria a vez deles.


Regina saiu dali tão depressa quanto lhe permitiram as suas pernas pouco
firmes. Tremiam-lhe como daquela vez em que correra sozinha para o
hospital com André nos braços. O filho ainda mal sabia andar e caíra, batera
com a cabeça, fizera um pequeno traumatismo. Regina levara-o às Urgências
— Nuno estava fora com o avião, incontactável, olha a novidade — e,
lembrava-se como se fosse hoje, a sala de espera causara-lhe a mesma
impressão funesta deste terminal. Pessoas doentes, abatidas, à espera que
alguém tomasse conta delas.


Guiou   em  piloto  automático, sem dar muita   atenção ao  trânsito    que corria
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