bem mais fluído depois de se libertar do congestionamento no Largo da
Mucaba. Tomou a Avenida de Lisboa, dois quilómetros de uma ponta à outra,
se tanto. A partida de Laurinda deixara-lhe um vazio no espírito, porque a
partida das pessoas conhecidas, especialmente daquelas realmente amigas,
tornava a vida dos que ficavam mais desamparada. Ficavam qual milionário
sozinho no seu palacete sumptuoso, condenado a falar para as paredes. E a
Luanda de hoje em dia estava longe de ser comparável a qualquer coisa
sumptuosa, embora, num passado recente, Regina costumasse pensar que lhe
saíra a sorte grande no dia em que viera para esta cidade. Pois bem, o palacete
estava a cair aos bocados e já quase não havia ninguém com quem ter uma
conversa decente. Por aquele andar, imaginou Regina, não tardava só haveria
desconhecidos com quem falar e, provavelmente, seriam os mesmos que
consideravam os portugueses personae non gratae no novo país
independente.
Regina recordou-se dos bons momentos passados com Laurinda e não
conseguiu evitar um ressentimento, uma ponta de melindre a roer-lhe a
consciência. Mesmo que involuntariamente, sem intenção maldosa, ela sentia
a partida da amiga como uma pequena traição. Mas não, obrigou-se a
reconsiderar, no estado de nervos em que ela ia, coitada, tinha mesmo era de
sair daqui o mais depressa possível . Mas era o que se sentia quando alguém
se despedia. Mais um que abandona o barco. Os próprios, que partiam,
anunciavam-no quase com vergonha, no tom comprometido de quem atraiçoa
os amigos, juntando argumentos piedosos, como que a pedirem compreensão,
tolerância.
Viviam-se tempos estranhos, únicos, o fim de um império, a extinção de um
estilo de vida. Por circunstâncias que ninguém controlava, pois já se perdera o
controlo de tudo naquela terra desgraçada, uma sociedade estruturada via ser-
lhe retirado em escassos meses o que lhe havia sido proporcionado por via de
uma vida de trabalho, de esperanças, de memórias, e isso provocava
sentimentos contraditórios, frustrações, emoções desconhecidas. Era difícil de
perceber, as pessoas, incrédulas, perguntavam-se como era possível destruir-
se um país assim tão depressa. Ainda há um ano estava tudo bem, cada coisa
no seu lugar, cada um a tratar da sua vida, os espíritos confortados pela
segurança das rotinas, e de repente dá-se a revolução em Lisboa e o Ultramar
cai como peças de dominó.
Quem melhor definiu a perplexidade que trespassava o espanto geral foi
Laurinda. Jantavam em casa de amigos, uma refeição nostálgica de fim de
uma época. Sete pessoas, três casais e ela, sentados à mesa do jardim, num
extenso relvado algo descuidado, a precisar de ser cortado, à frente da piscina