vazia, suja com restos de terra e folhas secas, debaixo de uma noite estrelada
que, momentaneamente, prometia o infinito, dava esperança. Estavam no
café. Os rostos à volta da mesa adivinhavam-se no bruxulear fragmentado da
luz das velas. Alguém olhou para o céu estrelado e comentou, está tão
bonito...
Houve um silêncio contemplador.
— Sabem o que isto tudo me faz lembrar? — disse uma Laurinda
assombrada, cortando em voz baixa aquela pausa silenciosa. — Uma pessoa
que anda feliz na sua vidinha e, um belo dia, vai à consulta de rotina e o
médico diagnostica-lhe um cancro, dá-lhe um ano de vida, assim, sem mais
nem menos. É o que Angola parece.
E de facto, se lhes tivessem dito, uma semana antes da revolução, que
Angola tinha um ano de vida, ninguém teria acreditado. Não seria tão pouco
afinal, mas um ano e meio, embora a maioria dos portugueses decidisse
regressar a Portugal antes do último suspiro do império.
Luanda, a Luanda do asfalto, de pedra, enfim, a cidade dos brancos, era
bastante evoluída. Em boa verdade, era uma das mais evoluídas de África, no
seu jeito colonial, tocado pela informalidade própria dos trópicos a que não se
atrevia Lisboa. Mas não chegava a ser uma cidade muito grande. Do
aeroporto ao centro era um pulinho e Regina não demorou muito a lá chegar.
Vinha com a ideia de que ainda poderia fazer alguma coisa por Laurinda,
porque assim que a deixou no avião sentiu logo a falta dela, e porque ainda
lhe caíam as lágrimas como se viesse do funeral da sua melhor amiga e,
bolas, ainda há bocado estava a prometer-lhe que, não tarda nada, estamos
outra vez juntas em Lisboa. Laurinda aparecera-lhe na loja há dois dias,
terminante, com o bilhete da TAP na mão, a anunciar-lhe que estava cheia de
medo do que poderia vir a acontecer naquela terra. «Há aviões portugueses,
americanos, soviéticos, ingleses, alemães, eu sei lá, de todo o lado, estão a
esvaziar a cidade, o país! Daqui a semanas não haverá um único português em
Luanda e eles invadem a cidade. Eu é que não vou ficar cá. Estou aterrada,
Regina, passo as noites em branco, cheia de medo de que me entre alguém em
casa, a ouvir o maldito tiroteio. Para mim, chega.»
Fez a Avenida de Lisboa de uma ponta à outra, continuou pela Serpa Pinto,
a sua rua, mas não lhe apeteceu ir logo para a loja, não se sentiu com cabeça
para trabalhar. Decidiu dar um salto a casa de Laurinda, incomodada com o
facto de ela ter largado tudo numa precipitação assustada, sem cuidar de levar