O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

para esmagar o cigarro no cinzeiro. Recostou-se na cadeira, soltou o último
fôlego de nicotina retido nos pulmões. — Diga-me lá, o que é que é mais
extraordinário?


— Os tipos do MFA estão a apoiar o MPLA, certo?
— Certo.
— Ninguém lhes passou um mandado para o fazerem. Quer dizer, o Acordo
de Alvor refere explicitamente que Portugal deve ser imparcial e apoiar a
realização de eleições livres. Mas aquela corja comunista do MFA desarma os
brancos e arma os pretos. E quando a independência chegar o MPLA não vai
permitir que um único português tenha um lugar de destaque na sociedade,
que seja dono de uma empresa ou de uma fazenda ou que ocupe um emprego
na administração pública. E nessa altura o que vão fazer os valentes oficiais
do MFA? — Olhou fixamente para Nuno, como se estivesse à espera de uma
resposta sem estar. — Vão recolher a bandeira nacional, meter-se num navio e
lavar as mãos da porcaria toda que deixarem para trás. Agora, o mais
extraordinário é que o MFA perdeu completamente o controlo do processo e
Angola deslizou para a guerra civil. O MFA está a apoiar o MPLA mas não
tem mão nele, está a ajudar um movimento que vai expulsar todos os
portugueses de Angola, que vai aterrorizar as pessoas e confiscar-lhes os seus
bens. E porquê? Porque o MFA acredita que os seus compatriotas portugueses
de Angola são o inimigo, os exploradores de pretos e essa treta toda, e que o
MPLA é que é o amigo. Nós somos o inimigo?! Isto faz algum sentido?


Nuno encolheu os ombros.
— A mim, não — disse.
— Pois, e a nós também não, porque se nós somos o inimigo, eles são os
traidores.


— E quanto ao PIM? — insistiu Nuno. O tom de voz era inocente e o
sorriso cínico, bem podes continuar com a tua conversinha mole que eu não
me esqueço.


O PIM ajuda numas coisas, fecha os olhos noutras — respondeu o outro,
enfatuado.


— Muito esclarecedor — resmungou Nuno, carrancudo.
— É o que se pode arranjar — disse o homem da FRA, como que a dizer
daqui não levas mais nada e, se não gostas, não compres.


Nuno    resignou-se com a   conclusão   subentendida    de  que os  tipos   da  secreta
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