rajada e, mais ainda num caso destes, para prevenir também massacres
inúteis. Mas aquele não era o momento apropriado nem o lugar para ajuizar
procedimentos, não só por a situação ainda não estar sob controlo como
também porque, de repente, começaram a surgir armas no meio da multidão e
a ouvir-se disparos de pistola. A tropa, ao sentir-se ameaçada, ripostou e o
tiroteio generalizou-se.
Depois do alarme inicial e de uma primeira reacção instintiva em que todos
os seus sentidos lhe gritaram para que fugisse dali, Patrício obrigou-se a
dominar o medo, a recuperar a calma e a agir de cabeça fria. Naquele caos de
sangue e balas só a tropa manteve a disciplina e a vantagem da iniciativa, o
que lhe permitiu não ceder um milímetro e até ir avançando atrás dos
insurrectos armados. Ouviram-se centenas de tiros e só o estrondo
aterrorizador das espingardas já era suficiente para pôr toda a gente em fuga,
o que efectivamente acontecia. Patrício não demorou a tomar consciência de
que os civis que disparavam na direcção dos soldados, faziam-no num tal
estado de nervos que nem se lembravam de apontar ao alvo. E como se
encontravam misturados com a população, as suas balas ora acertavam nos
civis inocentes ora se perdiam inofensivas no ar. Já os soldados, serenos e
controlados, faziam pontaria sem se apressarem no gatilho e, com calma e
método, foram-nos abatendo um a um. À direita de Patrício, a avenida,
dividida ao meio por um passeio estreito, era ladeada por um jardim público
de três lados, estendendo-se por um quarteirão ao longo da faixa ascendente a
base desse triângulo ajardinado; à esquerda havia uma fiada de casas de
madeira, de estilo colonial, cercadas por jardins, por sua vez separados da rua
por um gradeamento. Muitas pessoas atravessaram a avenida a correr e
procuraram refúgio no jardim público, mas outras tentaram trepar pelo
gradeamento e, entre estas, as que estavam armadas foram abatidas sem
contemplações antes de conseguirem saltar. Mas a reacção da maioria dos
manifestantes foi correr avenida acima, à frente dos soldados. Fugiam das
balas e das granadas de gás lacrimogéneo lançadas a seus pés. A tropa usava
agora máscaras de oxigénio para se proteger das latas que rodopiavam no
chão, soltando o gás nocivo que irritava os olhos e a garganta. Patrício
compreendeu que os militares não disparavam à toa e pareceu-lhe
razoavelmente seguro passar por trás deles e subir a avenida pela faixa da
direita, mantendo-se afastado do ângulo de tiro da tropa. Queria acompanhar a
manifestação ou o que restava dela, seguir o povo desbaratado a tiro. Assim
fez.