enlouquecer com a tensão que trazia a cidade numa fina bolha de ar prestes a
rebentar. Mas como, no dia-a-dia, ela não saía da zona segura de Luanda —
relativamente segura, pelo menos — praticamente não chegava a ver a guerra
que a rodeava. Apercebia-se da deterioração progressiva da situação, ouvia os
tiroteios, via a cidade cada dia mais militarizada, as lojas a fecharem, as ruas
mais sujas e mais vazias, assistia à debandada dos portugueses e conhecia o
temor dos que ficavam, tanto brancos como negros. Mas mantinha-se
arredada da violência concreta que provocava os mortos, os feridos, o medo.
Hoje, porém, a curiosidade foi mais forte do que ela e Regina não resistiu a
dar uma espreitadela. Quis ver o que se passava.
Alguns polícias posicionados no fim da manifestação tinham conseguido
manter aberta uma passagem, de modo a permitir a circulação de automóveis
por detrás dos manifestantes. Contudo, havia por ali muita gente a atrapalhar
o trânsito, porque as pessoas respeitavam pouco as indicações dos agentes e
contrariavam os seus esforços para desimpedir a transversal, cruzando-a para
cá e para lá a toda a hora, por entre os carros em lento andamento. Regina
chegou finalmente à avenida e avançou quase até ao meio da via. À sua
direita, uma multidão compacta acotovelava-se, de cartazes ao alto e faixas
brancas estendidas por cima das cabeças, onde se liam desesperados apelos à
paz escritos a vermelho. Sentada ao volante do pequeno Mini Morris , Regina
sentiu-se esmagada pela pressão dos corpos que se encostavam ao carro por
falta de espaço. Alguns manifestantes, irritados com a passagem incómoda
dos automóveis, quiçá também melindrados com o desinteresse dos brancos
desses carros pelas razões do seu protesto, atiravam insultos despudorados aos
condutores. Os menos tolerantes iam mais longe e descarregavam a sua
frustração com murros nos tejadilhos dos carros. Era uma atitude agressiva
mas, ao mesmo tempo, cobarde, porque escudada no peso intimidador da
manifestação. Em contrapartida, um condutor dois carros à frente de Regina
teve uma reacção corajosa, mas estúpida. Ela viu-o abrir a porta, sair do
automóvel, rodeá-lo, e atirar-se aos colarinhos do manifestante incauto que
acabara de lhe marcar o capot com o pau de um cartaz.
Gerou-se uma confusão. Dois polícias acorreram para resgatar o condutor
enfurecido do meio de uma turba que ameaçava linchá-lo ali mesmo. O
trânsito parou definitivamente. Regina tremia de nervos, de medo. Fechou o
vidro da janela, trancou as portas. Viu os polícias arrastarem à força o
condutor e este a debater-se para que o deixassem enfrentar sozinho a