manifestação. Regina inclinou-se mais para a frente, a espreitar por cima do
volante, incrédula. Um dos manifestantes destacou-se da multidão e atacou
sem piedade o condutor agarrado pelos braços, a murro e pontapé.
Apareceram mais dois polícias e interpuseram-se. O condutor sangrava
abundantemente da cara. O atacante recuou, misturou-se na multidão,
desapareceu. Os polícias apararam o ferido e levaram-no a cambalear até ao
carro. Ele sentou-se ao volante. Uma pedra atirada de algures foi cair em cima
do pára-brisas e estilhaçou-o com um estoiro brutal, que sobressaltou os
polícias e arrancou um regozijo da multidão ressentida. A populaça, excitada
pelo sangue, começou a estreitar o cerco ao carro. Regina via aquilo de olhos
esbugalhados e coração parado, sem pinga de sangue, chocada com a
violência da escaramuça. Um estrondo no tejadilho do Mini fê-la dar um salto
no banco e, com o susto, deixou o motor ir abaixo com um espasmo. Um tipo
negro a fazer cara de mau espreitou pelo vidro direito e tentou abrir a porta
trancada. Regina encostou-se à porta do seu lado, aterrada. O homem deu
outro murro na chapa e desistiu, passou ao carro seguinte. Lá à frente, o
condutor ferido voltou a sair do seu automóvel, mas desta vez levava uma
pistola na mão e abriu-se logo uma clareira à volta dele. Os polícias só
traziam cassetetes e também recuaram. E Regina, horrorizada, perguntou-se
se aquilo nunca mais acabava.
De súbito, começou a ouvir o metralhar cadenciado das armas automáticas
e só lhe ocorreu que estivessem a atirar contra o condutor. Mas ele não foi
abatido e até voltou a refugiar-se no seu carro. Uma vaga de gente, a
manifestação inteira, largou a fugir. As pessoas saltavam sobre o Mini com
um tropel de chapa amolgada, atropelavam-no, passavam-lhe por cima e
aterravam de qualquer maneira no asfalto, do lado de cá. Outras ficavam
entaladas, esmagadas contra o flanco direito. Uma cara de mulher
ensanguentada e espalmada no vidro do passageiro olhava para Regina, lá de
fora, com olhos de pânico. Quis ajudá-la, rodou freneticamente a manivela
para abrir o vidro e a cabeça entrou-lhe pelo carro, com o pescoço entalado no
rebordo da janela.
A mulher gritava aflita. Regina tentou puxá-la para dentro, debalde. A
mulher perdeu o fôlego, asfixiada, e deixou de se debater e de gritar. A sua
cabeça ficou pendente enquanto Regina sentia o Mini ser arrastado de lado
pela força da multidão.
Abriu a porta e saltou do carro numa precipitação que a atirou ao chão.
Esfolou as mãos, os joelhos, começou a levantar-se, mas alguém foi de
encontro às suas costas e projectou-a de chofre outra vez contra o asfalto.
Levantou-se mais uma vez e começou a correr, seguindo a corrente do pânico,