na direcção do Hospital Maria Pia que ficava no topo da avenida. Atrás de si,
continuava a ouvir o metralhar das G-3 , os estampidos das pistolas, os gritos
de terror. À sua volta, os olhos de Regina registavam um movimento
desabrido, uma confusão de pessoas, de vozes, rostos transtornados, e ela só
pensava em correr, fugir dali para o mais longe possível. As pernas tremiam-
lhe, os pulmões ardiam-lhe, teve de abrandar a marcha, mas continuou a
andar, a subir a avenida. E só quando viu as pessoas começarem a parar e a
voltarem-se para verem o que se passava lá atrás é que Regina acreditou que
já estava a uma distância segura, e sentiu algum alívio. Mas ficou ali sem
saber o que fazer. Queria ir buscar o carro e regressar a casa, mas não podia
fazê-lo porque não lhe parecia seguro e porque tinha uma mulher morta com a
cabeça pendurada na sua janela. E sabia lá quantos mais mortos haveria
esmagados contra o Mini . Olhando para o quarteirão abaixo, Regina via
milhares de pessoas dispersas à frente de um pelotão de pára-quedistas, via
grupos de jovens agitados envoltos em nuvens esbranquiçadas de gás
lacrimogéneo. Estes tapavam o rosto com lenços e desafiavam a tropa. Uma
linha inflexível de soldados, ombro com ombro, armas atentas, marchava
avenida acima, obrigando a turba a recuar. Havia muitos corpos caídos por
terra. Ouviam-se sirenes. Ambulâncias passavam para cima e para baixo
numa corrida para salvar vidas. Um mar azul de luzes de emergência piscava
atrás dos soldados, qual carros-vassoura a recolher as vítimas, mortos e
feridos, à medida que a tropa avançava no terreno.
Regina foi sentar-se no rebordo de um passeio, com os cotovelos apoiados
nos joelhos e a cabeça escondida entre os braços. Chorou como uma menina
desamparada. Foi então que ouviu alguém chamar por ela, Regina!
Ergueu o rosto e descobriu Patrício, agachado, ali à sua frente. Ele
encontrou-a, ela reconheceu-o numa estranha imagem distorcida pelas
lágrimas que lhe banhavam o semblante marcado pelo choque. Ele abriu-lhe
os braços, ela aconchegou-se neles.
— Patrício — balbuciou. — Foi horrível...
— Eu sei — disse ele, apertando-a contra si num instinto protector,
reconfortando-a também com a força moral da sua voz conhecida, que lhe
embalou o coração. — Eu sei, Regina. Eu vi tudo. Mas agora estás em
segurança. O pior já passou. — Regina afastou-se dele, soltou-se dos seus
braços, mas não desdenhou uma carícia, um polegar gentil que lhe limpou
uma lágrima do rosto. Respirou fundo, ganhou alento.