O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Nuno subiu com ligeireza os dois lanços da escada até ao seu apartamento.
Vinha satisfeito, a pensar que tinha sido um bom dia. Estava parado há meses,
sem trabalhar, com o avião em terra e sem vislumbrar uma forma de ganhar a
vida. Parecia que a sua sorte havia acabado, tal como o dinheiro, pois tanto
tempo de inactividade contribuíra para baixar as suas economias até níveis
próximos do zero. De qualquer modo, Nuno não era propriamente um tipo de
muitas poupanças e como, nas suas mãos, o dinheiro se gastava depressa, era
urgente encontrar uma forma de reequilibrar as contas. Só que já não se
tratava apenas de desenrascar o fim do mês, mas de resolver o resto da vida.
Em breve uma grande borracha histórica apagaria a presença portuguesa
naquela terra e, com o voltar da página, surgiria uma folha em branco que
poderia ser um poço de incógnitas, mas de uma coisa ele tinha a certeza: tão
cedo não haveria espaço para os antigos colonizadores se adaptarem à nova
realidade. Da maneira como ele via a situação, o regime que aí vinha estaria
mais interessado em mandar borda fora os últimos portugueses, do que em
empenhar-se numa saudável política de cooperação. Haveria demasiados
ressentimentos, demasiadas feridas que só o tempo conseguiria sarar. E, bem,
tempo era coisa que não lhe restava em abundância, dali até ao dia da
independência. Por outras palavras, era agora ou nunca. Mas, finalmente,
Nuno encontrara uma solução para o seu aperto. Duas viagens, ir e vir, era
tudo o que precisava de fazer para receber um saco de diamantes e garantir o
futuro da sua família. Poderia recomeçar a vida em qualquer lado, comprar
outro avião, montar um negócio. Sim, tinha sido um bom dia e Nuno sentia-se
aliviado, porque não se esquecera de que tinha prometido a Regina que
regressariam a Lisboa o mais depressa possível e, mais ainda, estava certo de
que ela não o deixaria esquecer-se. Nuno sabia que Regina se ressentiria da
partida de Laurinda, pois era a sua melhor amiga e, até hoje, a única que lhe
restava em Luanda para se encontrar regularmente, tomar um café ou
conversar ao telefone, enfim, para manter uma rotina, uma aparência de
normalidade num quotidiano cada vez mais difícil.


Nuno abriu a porta de casa, entrou e, pelo que viu, percebeu logo que havia
ali algo de muito errado.


Algumas horas depois de ter sido positivamente engolida pela
manifestação, Regina ainda não estava em si. Patrício conseguira recuperar o
Mini do meio dos destroços dos confrontos e ela acabara por se ir embora

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