O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Naquele final do mês de Junho de 1975, realizou-se em Nakuru, no Quénia,
uma cimeira de emergência patrocinada pelo presidente Jomo Kenyatta. O
objectivo era debater a degradação total da situação em Angola e, ao contrário
do que diziam especificamente as regras do Acordo de Alvor, a parte
portuguesa não foi convocada. Em contrapartida, os três movimentos de
libertação fizeram-se representar e, num rasgo de sinceridade que lhes era
pouco habitual, concordaram que lhes pertencia a responsabilidade do país
estar a ser arrastado para a destruição. Com efeito, os três movimentos de
libertação assumiram que andavam envolvidos numa guerra fratricida e a
matar o seu próprio povo, apanhado sem piedade pelo fogo cruzado que
trucidava civis a eito um pouco por todo o país. Os movimentos admitiram
com uma desfaçatez desconcertante que tinham armado a população civil e
apelado ao que havia de pior nas pessoas para as induzir à violência tribal, ao
caos sem lei e às vinganças pessoais e mesquinhas que provocavam muitas
mortes por motivos fúteis, por ódios racistas e por questões políticas. E de
facto não se estavam a sair mal na concretização destes chocantes objectivos,
porque, como entretanto também admitiram, tinham boicotado desde o
princípio a acção do governo de transição, que de facto não geria transição
nenhuma nem preparava o país para as eleições livres que não interessavam
aos movimentos. Por outro lado, o exército português perdera totalmente o
controlo militar do país e os três exércitos negros digladiavam-se com uma
ferocidade selvagem e não havia nada capaz de deter os seus instintos
destruidores. No culminar de uma semana de debates, nenhum dos
movimentos regateou a sua assinatura no documento final da cimeira, onde
ficou alinhavado um pacote de boas intenções que incluía o fim imediato das
hostilidades, a integração dos seus soldados num exército único e o
desarmamento dos civis, enfim, o indispensável para repor o processo nos
eixos. Depois separaram-se respeitosamente e cada um foi gerir as suas tropas
de modo a continuar tudo como estava.


Por essa altura, Nuno já fizera a sua primeira viagem clandestina ao Interior
e entregara uma remessa de material de guerra à UNITA. O voo tivera lugar
ao despontar do dia, sem qualquer incidente. Sem que ninguém o
incomodasse, Nuno descolou da pista do aeroporto de Luanda no seu avião
atulhado de cunhetes e de caixotes de armas, cujo discreto carregamento o
senhor Dantas supervisionara pessoalmente na noite anterior. E a operação
decorreu com uma afinação milimétrica, conforme o planeamento impecável

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