O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

do seu estratego. No que dizia respeito a questões de trabalho, o senhor
Dantas era de uma seriedade à prova de bala, muito minucioso, muito
preocupado com o pormenor. Já que se faziam as coisas, que se fizessem bem
feitas.


Nuno efectuou um voo de duas horas e aterrou num descampado em pleno
sertão, uma faixa estreita, capinada para improvisar uma pista. Deixou o
motor a trabalhar, manobrou em terra para uma descolagem de emergência e
ficou a ver um grupo de guerrilheiros surgir do capim alto, amarelo, e
aproximar-se do Dornier com a hélice sempre a girar, como se não
tencionasse esperar por ninguém. Os guerrilheiros, cerca de vinte com
metralhadoras Kalashnikov a tiracolo, chegaram junto do avião e, seguindo as
instruções gesticuladas de Nuno, retiraram a carga sem tentarem sequer falar
com o piloto branco por cima do barulho do motor. A avaliar pelo aspecto
correcto dos guerrilheiros, com as suas fardas cinzentas, botas da tropa e
armas bem apresentadas, tratava-se de uma força de elite. Caso contrário,
seria, o que Nuno julgara que iria encontrar, um bando de maltrapilhos
descalços, que não se distinguissem em nada de um vulgar grupo de bandidos
armados, a deambular pela savana sem lei e a pilhar e matar impunemente as
vítimas indefesas que tivessem o azar de se cruzar no seu caminho.


Minutos depois, terminada a descarga, Nuno aplicou toda a potência ao
DO-27, projectou o aparelho aos tropeções pelo descampado de terra seca,
levantou voo, ganhou altitude. Tinha sido um serviço limpo e, duas horas
mais tarde, ao aterrar de novo no aeroporto de Luanda, Nuno vinha satisfeito
da vida com a facilidade da entrega. Sentia-se muito tranquilo e feliz por
tornar a voar, por voltar ao seu elemento natural. A viagem de regresso foi um
agradável passeio. Nuno aproveitou para fazer alguns percursos a baixa
altitude, seguir o curso de um rio, gozar o esplendor da paisagem africana,
quase a tocar uma manada de elefantes à desfilada através da planície
dourada, abrindo à pressa estradas paralelas à medida que pisavam o capim
alto num tropel sísmico. Surpreendeu algumas girafas pacatas a mordiscarem
as folhas das copas de umas árvores altas. Sobrevoou uma interminável
manada de palancas negras. Teve a sorte de avistar um grupo de leões a caçar
zebras e ainda o prazer de acompanhar um bando de flamingos em pleno voo.
Pensou que não deixava de ser estranho que aquele extenso planalto deserto
de homens e povoado de animais selvagens, de uma beleza extraordinária,
fosse o mesmo país onde ardiam cidades, vilas, aldeias e fazendas; onde
milhares de quilómetros de estradas se tinham tornado intransitáveis por já
não serem seguros. Ele próprio regressava a uma cidade a definhar no caos
depois de ter largado um carregamento de armas no sertão onde nada se

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