O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

47


Chegou a casa por volta da uma da tarde. Viera de moto do aeroporto, a
gozar o ar fresco, cacimbado, da época. Acelerou a fundo pelas ruas livres à
hora que a cidade almoçava, como que prolongando em terra o voo que o
trazia nas nuvens. Vinha a pensar em aterrar directamente na cama e dormir a
tarde inteira. Estava acordado desde as três da manhã, depois de ter passado
pelo sono umas escassas duas horas. Fora o máximo que conseguira arrancar
a uma insónia de nervos, a uma inquietação provocada pela espera para entrar
em acção, que lhe parecera interminável. Mas agora, já dissolvida a
adrenalina, Nuno só mantinha o olho aberto a puxar pela máquina, forçando o
motor, equilibrado nas duas rodas em alta rotação, inclinado sobre o volante
para contrariar a deslocação do ar que o atirava para trás, acolhendo o vento
como chapadas no rosto.


Mas bastou-lhe ver o jipe da tropa e a Berliet estacionados à porta do seu
prédio para acordar de uma vez. Parou a moto à beira do passeio e apeou-se
lentamente, desconfiado, observando pelo canto do olho os soldados à espera
de qualquer coisa, de alguém, fazendo que não era nada com ele, mas a pensar
se não estariam ali para o prender. Havia cinco soldados plantados de
metralhadora no passeio e sabia lá ele quantos no interior do prédio. A
camioneta, com a caixa tapada pela cobertura de lona, não deixava ver o que
tinha dentro, mas Nuno procurou tranquilizar-se com o raciocínio de que, se
fosse para o prender, bastar-lhes-ia o jipe e quatro homens de G-3 . E mesmo
assim parecer-lhe-ia um exagero operacional para tão pouco. A não ser que
pensassem que ele os receberia a tiro de canhão ou coisa que o valha. Foi-se
aproximando da porta com pernas de chumbo, à espera do pior, quando dois
soldados se adiantaram um passo na sua direcção.


— Eu vivo aqui — disse Nuno, quando os soldados lhe barraram a
passagem. — Há algum problema?


— Nenhum problema — respondeu um deles. — Não se importa de esperar
só um bocado? Era uma pergunta em forma de ordem. Nuno preparava-se
para dizer que, por acaso, até se importava, quando viu surgir da porta do
prédio o capitão Antero de braço dado com a mãe, dona Natércia, e atrás o
brigadeiro numa cadeira de rodas, absorto, no eterno pijama de riscas e uma
bolha de cuspo ao canto da boca.


—    Olha,   o   Nuno!   —   exclamou    Antero,     encantado   por     o   encontrar.  Os
Free download pdf