O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Viveram sempre no mesmo prédio de dois andares onde tinham arrendado o
apartamento do piso superior um mês depois de terem caído de pára-quedas
na cidade desconhecida; um golpe de sorte à chegada, alguém que ouvira
dizer que alguém estava definitivamente de partida para a metrópole e que o
apartamento iria vagar. Era de aproveitar, sempre saía mais em conta do que a
exorbitância do quarto no hotel Trópico, do melhor que havia em Luanda mas
um sorvedouro de dinheiro. As suas finanças ressentiram-se bastante do
desvario que foram esses primeiros tempos, um sempre em festa que, com um
certo regozijo perverso, só fazia Regina lembrar-se do seu paizinho, o juiz, de
indicador reprovador em riste. Tal era o despautério daqueles tempos que ela
não via a hora de se ver de novo em casa, sentada à mesa de jantar, entre o
pai, de cenho carregado e com aquelas sobrancelhas enormes que pareciam
umas palas por cima dos olhos sombrios, e a mãe, muito piedosa, remetida ao
seu silêncio submisso, coitadinha, só para lhes contar como haviam decorrido
as suas gloriosas férias em Luanda. O juiz haveria de trepar as paredes,
furioso com as tropelias irresponsáveis da filha, como ele costumava dizer.


No fundo, Regina encarara a viagem a Angola como umas simples férias.
Era o dinheiro acabar — e, pelo andar da carruagem, não faltaria muito para
isso acontecer — e estavam de volta a Lisboa, tão certo como ela se chamar
Regina. Até lá, era gozar as mordomias do Trópico, os dias na praia e as
noites de borga. Mas o tempo ia passando e dos bolsos de Nuno continuaram
a saltar indefinidamente notas amarrotadas, e agora compramos um barco e
depois uma moto e alugamos uma casa e por aí fora... Dava a impressão de
que ele era um prestidigitador sem ter consciência do seu talento.


Regina não fazia perguntas, talvez por achar que estava ali para se divertir
e, de algum modo, não achar apropriado questionar Nuno sobre uma questão
tão... íntima, digamos, ou talvez por ter a percepção de que ele não iria gostar
que o confrontasse com esse assunto e receasse estragar o clima perfeito que
havia entre eles. Por algum motivo ainda mal resolvido na sua cabeça, Regina
sentia uma certa relutância em falar com Nuno sobre o tema do dinheiro e de
como ele o arranjara. Quer dizer, era um disparate viver com Nuno vinte e
quatro horas por dia, dormir com ele, partilharem as suas vidas tão
intensamente quanto uma mulher o podia fazer com um homem e ainda assim
haver entre eles algo de que não pudessem falar. Mas a verdade é que ela não
se sentia à vontade para abordar o assunto. Era como se estivesse implícita na

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