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Na tarde de nove de Julho, os movimentos de libertação rasgaram de vez
todos os acordos civilizados que haviam assinado de má-fé e destruíram
definitivamente a esperança de se chegar em paz ao dia da independência. De
súbito, sem ninguém esperar, Luanda explodiu como uma bomba de
retardador. Por toda a cidade rebentaram combates de uma violência nunca
vista. O matraquear das armas automáticas ecoava na densa atmosfera da
capital, coberta de fogo. Numa passagem aérea pela região de Luanda, o
piloto de um avião de reconhecimento relatou que, para onde quer que se
voltasse, avistava sinistras colunas de fumo erguendo-se sobre a cidade.
Enquanto os guerrilheiros inauguravam uma carnificina que não pararia tão
cedo, as tropas do Comando Operacional de Luanda, umas escassas centenas
de soldados exaustos, tentavam acorrer aos pedidos de socorro generalizados
da população em pânico. Nos subúrbios, as delegações e os quartéis dos três
movimentos, que nos últimos meses haviam brotado espontaneamente por
tudo quanto era rua, estavam debaixo de fogo. Num festival macabro como
não havia igual desde os longínquos massacres do Norte, matava-se à
discrição, por qualquer motivo, ou mesmo sem qualquer motivo. E atrás dos
combates armados vinham os criminosos comuns que se aproveitavam do
clima de impunidade para roubar, violar, matar. Os subúrbios estavam a
saque. Mas muitas vezes eram os cidadãos comuns que, no meio daquele
descontrolo, faziam a sua justiça privada a rancores antigos, selando a sangue
algum negócio mal resolvido ou alguma questão pendente entre vizinhos,
conhecidos ou familiares. Os cadáveres amontoavam-se a um ritmo
estonteante e não havia polícia, tropa ou autoridade política que chegasse para
impedir a escalada da violência. A força de interposição portuguesa não era
capaz de cumprir a sua missão. Os incansáveis páraquedistas do COPLAD
corriam a cidade de lés a lés, mas eram poucos para tanto caos. O grosso das
tropas portuguesas não se envolvia nos combates e em Lisboa o poder
político, distraído com outra crise que trazia o país à beira da guerra civil,
desleixava-se com a situação angolana. Aos portugueses do Ultramar, não
obstante tratarem-se, na sua maioria, de modestas famílias que ganhavam a
vida nas indústrias, nos serviços ou na agricultura, tinha-se-lhes colado o
rótulo de colonialistas exploradores, graças à propaganda dos sectores
radicais de esquerda que dominavam o governo em Lisboa e que queriam
deixar cair Angola para Moscovo. De modo que os brancos ultramarinos não
estavam, definitivamente, nas boas graças da opinião pública portuguesa.
Desarmados pelo MFA, desconsiderados por Lisboa, sentiam-se