O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

relação deles uma combinação tácita, eu não faço perguntas, tu também não.
Pese embora Nuno não lhe ter dito que não queria dar-lhe explicações sobre a
forma como ganhava a vida, não deixava de ser estranho que ele nunca
fizesse qualquer referência a isso. Regina não podia deixar de pensar que, se
ele fosse cavaleiro, haveria de falar de cavalos, e se fosse arquitecto não
resistiria a comentar os edifícios da cidade enquanto a descobriam; e se
tivesse outra profissão qualquer não deixaria de falar dela, até porque lhe seria
o tema mais fácil de abordar para fazer conversa. Que diabo, até ela, cuja
única ocupação profissional que tivera fora trabalhar numa porcaria de uma
loja de fotografias, já esgotara esse tema, contando-lhe todas as histórias
caricatas que lhe haviam acontecido ao atender toda a espécie de anormais ao
balcão! Agora, se ele se dedicasse a vender droga a adolescentes a coisa piava
mais fino. Um dealer não falava dos seus negócios, como um banqueiro não
cometia indiscrições sobre quem lhe confiava as poupanças. Era uma questão
de bom senso, de sigilo profissional ou lá do que quer que fosse.


Não obstante aquela atitude, estou-me nas tintas para tudo e quero é curtir,
de Regina perante o mundo postinho por ordem e a cheirar a mofo que se ia
decompondo aos poucos como a caliça a despegar-se do tecto de um palacete
nobre, a pedir reforma, que era o Portugal de então, com o seu império
orgulhoso e o seu regime surdo, no fundo ela não aprovaria que o seu
namorado andasse a vender LSD a adolescentes. E, se se desse o caso de
Nuno lhe confessar preto no branco que era precisamente isso que fazia, ela
não se limitaria a encolher os ombros e a dizer ah, sim? Tudo bem. É óbvio
que estaria o caldo entornado, que haveria uma discussão e, enfim, depois
disso as coisas já não seriam as mesmas. Ora, como Regina gostava de Nuno
como nunca gostara de ninguém — embora ainda não admitisse que o amava,
precisamente porque o amor implicava responsabilidades, confrontos e
censuras sobre ganhar a vida ilicitamente e outras chatices do género — e
como, convenhamos, andava a divertir-se à brava à custa do dinheiro dele,
evitava hipocritamente o assunto... Pronto, já o dissera, ou melhor, já o
pensara: não fazia perguntas para não ter de encarar o problema.


Claro que este impasse não poderia perdurar, sob pena de os silêncios
omissos se tornarem perturbadores buracos negros, vazios por preencher
numa relação que ia ganhando uma importância indisfarçável nas suas
mentes.


O   Mussulo era a   praia   de  eleição das pessoas ricas,  da  elite   branca, que a
Free download pdf