Mas ambos concordavam que havia pouco ou quase nada que corresse bem
naqueles tempos pós-revolucionários e que a situação estava longe de ser
estabilizada.
— Já ninguém respeita ninguém neste país, filha. Temos um primeiro-
ministro comunista que está a destruir tudo o que havia de bom em Portugal.
— Eu sei, pai, mas é preciso ter paciência, dar uma oportunidade à
democracia.
— Democracia, qual democracia? As eleições para a Constituinte deram
quase setenta e dois por cento aos partidos democráticos e continuamos a ter
um governo de extrema-esquerda?!
— É um governo provisório.
— Um governo provisório que já fez mais prisões políticas do que o regime
anterior, a que acusavam de ditadura. Regina, há centenas de pessoas presas
ilegalmente, sem mandado de captura, que são vítimas de maus-tratos e de
tortura. Que democracia é esta, afinal? Isto é muito pior do que o governo
anterior.
— Mas também há um movimento popular espontâneo, uma revolta da
maioria, há manifestações contra o governo por todo o país, as sedes dos
partidos de esquerda que apoiam o primeiro-ministro são atacadas e
queimadas todos os dias. Eles vão perder, a bem ou a mal, vão ter de deixar o
poder.
— Deus nos livre de uma guerra civil.
— Isso seria uma loucura. Mas, se houvesse, eles nunca a ganhariam. Nós
sabemos isso, eles também o sabem. Por isso é que não acredito que se
atrevam a tanto.
— Sei lá, filha, sei lá. Esta gente não as mede.
Com efeito, o confronto entre a extrema-esquerda, defensora do poder
popular, e os moderados que defendiam a democracia parlamentar já não se
limitava aos jogos de poder dos gabinetes e ao braço-de-ferro dos quartéis,
tinha passado para a rua e era claro para todos que se chegara ao momento do
tudo ou nada. Um furacão político varria o país e não se ficava pelas regras
civilizadas das instituições legais. Havia conspirações internas e externas,
boatos mais ou menos delirantes, prisões indiscriminadas, campanhas
bombistas, distribuições de armas a civis, movimentações militares, enfim, o