O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

clima era pesado nesse Verão Quente de 1975 e o país resvalava
perigosamente para a guerra civil.


Decorria então o chamado Processo Revolucionário em Curso, o PREC, um
período conturbado com lugar a todos os radicalismos, incluindo uma
tentativa de golpe de estado de direita, a onze de Março, cujo falhanço
reforçaria o MFA, a partir daí institucionalizado com a criação do Conselho
da Revolução — organismo sui generis , cujos membros não estavam sujeitos
a escrutínio eleitoral. Seguir-se-ia a reforma agrária e as nacionalizações dos
grandes grupos empresariais, os saneamentos de patrões e as ocupações de
fábricas, terras e casas. Mas este fôlego da extrema-esquerda começaria a
esvaziar-se logo a seguir quando, em 25 de Abril, nas eleições para a
Constituinte, a população bateu um recorde de votação e, com ela, quase
atirou pela borda fora da representação parlamentar os partidos que
suportavam o governo. O MFA, o governo, a esquerda não democrática,
ficaram assim a saber que a maioria do povo português não desejava uma
nova ditadura, mas nem por isso desistiram de a impor. O primeiro-ministro
Vasco Gonçalves, no seu estilo de opereta, continuou a assinar freneticamente
os decretos que nacionalizariam o resto da indústria e dos transportes, de
modo a manter o país no rumo que quase ninguém queria. A reforma agrária
seguiu de vento em poupa, enquanto o espalhafatoso chefe do governo,
alheado da razão, espantava a nação com discursos descomedidos e montava
uma campanha de propaganda para convencer o povo da sua ignorância. O
povo sabia lá o que queria, dizia a doutrina oficial, o povo era manipulado
pelos reaccionários e devia ser orientado no caminho para o socialismo pela
vanguarda esclarecida. Depois a vanguarda esclarecida afrontou a Igreja
com a ocupação da Emissora Católica e, com isto, assinou a sua própria
sentença de morte política.


Desde então, os partidos democráticos, maioritários, em consonância com a
Igreja Católica, arreganharam os dentes ao primeiro-ministro e aos seus
seguidores com a realização de grandiosas manifestações pacíficas, às quais
se sucediam ataques mais ou menos espontâneos às sedes do Partido
Comunista, às dos partidos satélites deste e às de outros ainda que, sendo
embora inimigos do PCP, suportavam igualmente o chefe do governo. Estes
ataques de fim de festa, organizados pelos mais exaltados, apesar de não
costumarem incluir o linchamento dos militantes, foram varrendo do mapa as
sedes comunistas e da extrema-esquerda, destruídas e incendiadas, num
movimento progressivo que avançava de Norte para Sul do país.


O governo, cada vez mais isolado, apoiava-se militarmente no temível
Comando Operacional do Continente, o COPCON, que dominava a Região

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