— Oh, paizinho — exclamou, desconcertada. — A que propósito vem isso
agora?
— A propósito — disse ele, com um tremor na voz — de que eu fiz asneira,
falhei como pai e tenho que reconhecer isso.
— Não falhou nada! — escandalizou-se Regina. Levantou-se num ímpeto
típico do seu temperamento impulsivo, cruzou os braços, concentrou-se nele.
O juiz continuou a olhar para a televisão sem a ver, a abanar a cabeça, a
dizer que sim.
— Falhei, falhei.
— Não é verdade — insistiu Regina, conciliadora. — Tivemos as nossas
zangas, que não foram poucas, de facto, mas o pai deu-me a melhor educação
que eu poderia ter tido e não imagina como isso me ajudou quando tive
dificuldades em Luanda. E olhe que não foram tão poucas como isso.
— Em todo o caso — persistiu ele na sua dor de alma —, se não fossem os
meus exageros, não terias sido obrigada a ir para Luanda.
— Mas eu adorei Luanda! Fui muito feliz lá. — Regina aproximou-se do
pai, postou-se de cócoras ao seu lado, com as duas mãos apoiadas no braço
esquerdo dele. — Pai, já pensou que, se eu não tivesse ido para Luanda, o
André não existia?
— Lá isso é verdade — concordou o velho juiz, com um novo brilho nos
olhos, agora de júbilo.
— Então, não vamos fazer um drama disso, está bem?
Não fizeram. O juiz recuperou a compostura, acabaram de ver o telejornal,
ele resmungou qualquer coisa que tinha a ver com a boa gente de Leiria estar
a erradicar a comunistagem lá da terra, e foram jantar reconciliados com as
suas consciências.
O reencontro com Laurinda foi um bálsamo para Regina, um alívio por ter
alguém com quem desabafar as preocupações que não queria despejar sobre
os ombros da família. Podia falar com a irmã, era verdade, mas Sofia vivia
noutra dimensão, estava longe de saber o que era Angola, de compreender o
que Regina perdera, de sentir a mesma saudade. Já Laurinda sabia
exactamente o que ela queria dizer.
Regina levou Laurinda ao café da Avenida de Roma onde, antigamente,
costumava ir todas as noites a seguir ao jantar. Hoje em dia não fazia isso, já