O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Se aconteceu — disse ela, a acender um cigarro. Soltou uma baforada
cinzenta, nervosa. Contou-lhe como quase morrera atropelada por uma
manifestação inteira quando tentava chegar a casa dela para lhe embalar as
coisas que Laurinda deixara para trás.


— Que aventura, Regina — espantou-se Laurinda, e deu-lhe uma
reprimenda benévola por se preocupar com ela. — Não precisavas, era só
uma tralha, uns móveis, um carro, que se lixe. — Regina encolheu os ombros.


— Também — disse — acabei por não trazer nada, nem teu nem meu.
Ficou lá tudo e sabes que mais?


— O quê?
— Tens razão, era só tralha, que se lixe.
Continuaram a encontrar-se com muita frequência. Regina não vira
interesse em reatar as antigas amizades e portanto Laurinda não era só a sua
melhor amiga, mas sim a amiga, a única com quem saía e com quem podia
conversar.


Assim como desistira de arranjar casa, Regina também renunciou à ideia de
procurar emprego, coisa que, aliás, já não se lhe afigurava tão urgente como
lhe parecera na aflição do regresso, de mãos a abanar e com um filho nos
braços. Como trouxera de Luanda muitas máquinas fotográficas sofisticadas e
valiosas, uma vez em Lisboa, tratou de as ir vendendo e, assim, resolver as
suas necessidades quotidianas e ainda poupar bastante dinheiro para mais
tarde. Em breve, o Verão chegaria ao fim e seria necessário pagar o novo
colégio de André. O pai oferecera-se para o fazer, mas Regina recusara
terminantemente, pois sabia que ele não era rico e não queria sobrecarregá-lo
com as suas despesas. Em breve também, esperava ela, Nuno estaria de
regresso a Lisboa e nessa altura não poderiam continuar em casa dos pais
dela. Nuno não os conhecia e Regina nem precisava de lhe perguntar o que
pensava do assunto para saber a resposta. Ela própria não achava adequado
obrigar os pais a viverem com um desconhecido. Mas, fosse como fosse,
alguma coisa haveria de se arranjar. Regina estava confiante de que,
oportunamente, eles resolveriam o problema da casa. Essa não era uma
preocupação imediata. O que começava a deixá-la francamente preocupada
era o silêncio de Nuno.

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