O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Regina chegou a Setembro fascinada pelos absorventes acontecimentos
políticos, que se atropelavam todos os dias. Havia manifestações, incidentes
de rua, greves constantes, ataques a sedes partidárias, confrontos armados,
atentados bombistas, em suma, o programa completo de um país
desgovernado. Um dos pontos altos desta crise que espantava o mundo
civilizado foi o afastamento definitivo do primeiro-ministro, embora o
encerramento do histriónico período do gonçalvismo não fosse ainda o fim da
festa da extrema-esquerda. A anarquia haveria de vigorar até Novembro com
alguns rasgos de originalidade e o melhor de todos foi quando o novo
primeiro-ministro, irritado por ter o seu gabinete cercado pela populaça, que o
insultava na rua com apodos de fascista, desceu a escadaria da Assembleia da
República de peito feito e, chegando ao pé dos microfones dos repórteres,
desabafou de jacto a sua indignação à flor da pele: «bardamerda para o
fascista!», exclamou o almirante sem papas na língua e sem serenidade para
manter a postura de Estado a que estava obrigado por inerência do cargo. E,
não satisfeito, decretou logo ali uma inédita greve do governo porque, disse:
«estou farto de brincadeiras. Chateia-me ser sequestrado.»


— Quem diria que vínhamos encontrar o país nesta loucura. — comentou
Laurinda, enquanto vagueava com Regina pelas montras da Avenida de
Roma. — Fugimos nós da confusão de Luanda para virmos cair noutra terra
de doidos. Inacreditável.


— É verdade — disse Regina, distraída com uma preocupação latente que
não lhe saía da cabeça.


— O que é que tu tens hoje, mulher?
— Hã?...
— Estás com algum problema?
— É o Nuno — disse. — Já não consigo falar com ele há algum tempo.
— Telefonaste-lhe?
— Várias vezes.
— Se fosse a ti, não me preocupava muito. Sabes como são os homens,
apanham-se sozinhos, nunca param em casa. Regina estacou no meio do
passeio.

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