leve porque podiam fornecer informações valiosas ou servir de moeda de
troca. E havia os que vinham das suas próprias fileiras com o epíteto de
traidores, hoje és um tipo importante amanhã cais em desgraça, hoje mandas
prender amanhã vais preso. O movimento era, ele mesmo, um campo de
batalha onde todos lutavam desenfreadamente contra todos a ver quem
chegava ao dia da independência no topo da pirâmide. E não se tratava
propriamente de uma competição saudável. O MPLA acabava de sair de uma
cisão que quase acabara com ele, não tivesse sido uma estranha mão amiga
portuguesa que o recuperara das cinzas após o 25 de Abril e hoje não haveria
três, mas dois movimentos de libertação. Ou, quem sabia, um conjunto de
partidos mais vasto, pronto a disputar eleições democráticas. Mas a realidade
era outra e essa é que interessava, o resto seriam contas a ajustar nos livros de
História que seriam escritos um dia, quando a verdade já não fizesse vítimas e
as palavras já não tivessem o poder letal de trespassar a honra duvidosa dos
heróis de outrora.
Naquela época de guerra civil e de rivalidades internas, os inimigos
pululavam entre os camaradas de armas e ninguém estava a salvo de ser
preso, torturado ou morto, conforme as conveniências de quem o mandasse
prender. Consciente desta realidade absurda, Regina achou mais avisado não
contar a Patrício tudo o que sabia. O instinto disse-lhe que, por enquanto, o
melhor a fazer seria manter uma certa reserva, dado que havia demasiados
imponderáveis. Para todos os efeitos, pensou Regina, o que Patrício não
soubesse não poderia prejudicá-lo, nem a Nuno. Procura-o, por amor de Deus,
pediu-lhe, procura-o no hospital e na cadeia. Vê se o MPLA o tem preso
nalgum lugar. Patrício não lhe perguntou porque o MPLA haveria de o ter
prendido, nem indagou no que é que Nuno andava metido por esses dias. Ele
sabia perfeitamente que Nuno andava sempre metido nalgum negócio
obscuro, mas pensou que Regina não estivesse a par desses assuntos. Por isso
recomendou-lhe apenas que sossegasse e prometeu investigar.
Voltaram a falar ao telefone uma semana mais tarde. Patrício disse-lhe
então que indagara discretamente pelo paradeiro de Nuno junto dos seus
contactos e obtivera apenas respostas negativas e indiferentes. Ninguém sabia
dele, ninguém sabia sequer quem era ele. Ou, pelo menos, diziam que não
sabiam. A boa notícia era que também correra os hospitais e não confirmara o
receio de dar com o corpo de Nuno entre os cadáveres que se empilhavam nas
morgues sem ponta de dignidade. Em casa não estava, bem entendido, e nos
locais que frequentava habitualmente já não o viam há algum tempo.