O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Outubro entrou na segunda quinzena e Regina continuava sem uma pista,
um sinal de Nuno. A sua esperança era que ele estivesse refugiado num
esconderijo de recurso, em Luanda ou algures nos arredores da cidade, e não
tivesse acesso a um telefone nem possibilidade de lhe enviar um recado.
Apreensiva, Regina ponderava a situação desesperada de Nuno e sentia-se
também ela à beira do desespero. As notícias de Angola em vésperas da
independência não lhe davam um momento de sossego. Os portugueses
controlavam ainda o último reduto do império, Luanda, a cidade do asfalto.
No interior da capital já não restava um único soldado da FNLA ou da
UNITA. As FAPLA eram donas dos bairros negros e só esperavam as zero
horas do dia onze de Novembro para tomarem conta do centro da cidade. Até
lá, todos os caminhos de Angola iam dar a Luanda, porque, na tradição
africana, quem fosse dono da capital quando os portugueses saíssem, seria o
vencedor, o poder oficial, mesmo se o resto do novo país estivesse em mãos
alheias. Vindas de Norte e do Sul, duas poderosas colunas da FNLA —
apoiadas, a primeira, pelo quarto e sétimo batalhões zairenses e por comandos
portugueses, e a segunda por tropas sul africanas — aproximavam-se de
Luanda, apertando o cerco à capital. À espera delas, tropas do MPLA
defendiam a cidade. O confronto final teria lugar a dez de Novembro.


Assustada com estas notícias, Regina sentiu que as hipóteses de resgatar
Nuno de Angola desciam drasticamente a cada dia que passava. Ele estava
vivo, algures, não se atrevia a duvidar disso. Mas, quer estivesse escondido ou
preso, como é que haveria de sair do país depois do último navio de guerra
português partir? No dia onze de Novembro tudo seria diferente em Angola e,
se Nuno tivesse sido atirado para uma prisão — queira Deus que não ,
pensava Regina —, depois dessa data, qualquer constrangimento que até
então pudesse ter inibido os seus carcereiros de lhe dar um tiro na cabeça
desapareceria por completo. Estas reflexões sinistras, mas a seu ver
irrefutáveis, levaram Regina a tomar uma atitude difícil e dramática, mas...
mas está decidido e não volto atrás.


O dilema de Regina era que nenhuma das alternativas que tinha pela frente
lhe agradava. Se ficasse em Lisboa, de braços cruzados, à espera que o
problema se resolvesse por si, André ficaria sem pai. Isso era tão certo como a
sua decisão irrevogável de apanhar um avião para Luanda. Por outro lado, o
que Regina se preparava para fazer talvez acabasse muito mal, e, nesse caso,

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