O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

dele e de o encorajar com um sorriso triste.


Regina já fizera essa promessa a si mesma e tencionava cumpri-la, mas se
falhasse... bem, falhar não era uma possibilidade aceitável, porque falhar
seria desastroso, seria arrasador para si e para André. Como é que Regina
poderia encarar o filho e dizer-lhe que não tinha cumprido a promessa de lhe
devolver o pai, tal como ele, justamente, esperava? Para André, era simples,
confiava cegamente na palavra da mãe e, se ela disse que voltava com o pai,
ela volta com o pai. Para Regina, era mais um factor de pressão, um lembrete
colado ao espírito para que nunca se esquecesse de que não podia desistir.
Acontecesse o que acontecesse, simplesmente não poderia render-se às
contrariedades. E seriam muitas, com certeza.


Para a população branca em Angola, onze de Novembro era a data aprazada
para o apocalipse: os portugueses passariam o testemunho da soberania, os
angolanos massacrar-se-iam e ai do branco que ainda lá estivesse depois da
retirada da tropa. Portanto, quem é que, no seu perfeito juízo, iria querer
viajar para Luanda nestas circunstâncias? Regina queria e nada a impediria de
o fazer.


Os aviões que faziam a ponte aérea iam vazios e voltavam cheios. Não se
tratando de voos comerciais, mas de aparelhos fretados pelo governo, uma
pessoa não podia limitar-se a chegar ao balcão da TAP e a comprar um
bilhete. Mas, claro, se conhecesse alguém, podia pedir uma boleia. Em
Portugal, a cunha era uma instituição que não se extinguia só por causa de
uma revolução. Regina lembrou-se de que, em tempos, Laurinda fora
hospedeira da TAP e, bem, não havia muitas mulheres como Laurinda, nem
mesmo entre o pessoal de voo escolhido a dedo pela sua beleza. Ela fazia
amigos com facilidade, deixava um rasto de corações alvoroçados atrás de si,
não caía no esquecimento de quem a conhecera no passado. E se, alguns anos
mais tarde, fosse ter com alguém e pedisse um favor, e se, por acaso, esse
alguém fosse um homem, Laurinda não teria que se esforçar muito para o
convencer. A beleza facilitava a vida a qualquer mulher, mas a beleza de
Laurinda abria-lhe as portas até à Lua, se ela o desejasse.


— Queres voltar a Luanda?
— Foi o que acabei de dizer, não foi?
— Foi — disse Laurinda, preocupada. — Mas tinha que ouvir duas vezes
para ter a certeza. Regina, tu estás doida?!

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