O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Não, não estou doida — replicou-lhe, agastada — e dispenso mais
sermões sobre o assunto. Vais ajudar-me ou não?


Laurinda ergueu as mãos como se a amiga estivesse a apontar-lhe uma
arma.


— Calma, rapariga — disse, apaziguadora. — Claro que vou ajudar-te. —
Fez-se silêncio. Regina pousou um olhar melancólico no vidro embaciado da
janela panorâmica do café, à sua direita. Caía uma chuvada matinal que
entristecia o dia. Eram nove da manhã mas a luminosidade plúmbea na rua
transmitia a sensação de já estar a anoitecer. Lá dentro, era preciso ter as luzes
acesas. Gotas de chuva escorriam pela janela. Lágrimas solitárias desciam
pelo rosto infeliz de Regina. Laurinda esticou uma mão consoladora por cima
da mesa e agarrou a dela.


— Eu tenho que fazer isto, percebes? — murmurou Regina, sem desviar os
olhos da janela.


— Percebo — assentiu Laurinda, achando que seria um erro tentar dissuadi-
la. Regina viera pedir-lhe apoio e não adiantaria contrariá-la.


— Mas tens algum plano, ao menos?
Ela encolheu os ombros.
— O Patrício está lá — respondeu. — Ele ajuda-me.
Laurinda pousou o cotovelo esquerdo na mesa, deitou a testa na palma da
mão e, observando Regina com gravidade, apertou mais a mão dela. Regina
voltou a cabeça, encarou-a. Laurinda desmanchou-se com uma gargalhadinha
nervosa.


— O que foi? — admirou-se Regina, a sorrir com lágrimas.
Laurinda abanou a cabeça, desconcertada.
— Esse plano é uma merda — disse.
— Pois é — concordou Regina. E riram-se as duas do desespero patético
que a vida lhes sugeria naquela manhã desolada.

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