Alta, se avistava o prédio da Cuca, um colosso, que ganhara a alcunha por ter
encavalitadas no dorso as letras vermelhas da cerveja mais bebida em Luanda.
Aos pés do BCA, estendendo-se ao comprido o que este crescia em altura,
tendo em nobreza o que este tinha em betão, o belíssimo Banco de Angola
não se dava por achado e denotava até um certo desprezo pelo vizinho novo-
rico. Arvorado numa dignidade clássica, cor-de-rosa suave, muito sóbrio,
moldado na certeza da elegância da traça colonial setecentista, com a sua
cúpula de Vaticano, inspirava aos transeuntes modestos que passavam
debaixo das suas arcadas um respeito reverente. O banco detinha o poder
soberano de emitir a moeda local — que, em boa verdade, os europeus
consideravam uma fraude económica — e no interior insondável dos seus
gabinetes solenes tomavam-se as decisões que faziam mexer a economia da
província. O extremo norte da Marginal desembocava no jardim com tiques
imperiais do Largo Diogo Cão, tendo ao centro a estátua do navegador
português em cima de um impressionante pedestal de pedra. Por seu turno, o
jardim era fronteiro ao edifício da alfândega, também ele monumental,
conhecido pela sua torre do relógio na ponta da ala oeste e pelo túnel que lhe
passava pelo meio para dar acesso ao porto de Luanda.
Ao largo, o paquete Príncipe Perfeito , orgulho da frota nacional, fazia-se
anunciar com um retumbar rouco de búzio gigante nas suas entranhas, que se
ouvia na nostalgia das esplanadas de fim de tarde. Chegava de Lisboa,
evidentemente, as chaminés vermelhas e negras ainda fumegavam do esforço
da viagem e os passageiros, invisíveis à distância, assomavam ao convés,
debruçando-se na amurada para se espantarem de boca aberta e comentarem
com exclamações excitadas a extraordinária e improvável capital colonial que
se materializava ali mesmo à frente deles, cheia de promessas de futuro.
Angola era a jóia da coroa do império português e, na época, era impensável
abrir mão dela, não obstante o considerável esforço militar então empenhado
para manter à distância os movimentos armados que procuravam expulsar os
europeus com uma guerrilha persistente.
Em Luanda as pessoas não se sentiam excessivamente ameaçadas pelos
turras , na medida em que ali se podia estar em paz e o trauma do festim
sanguinário que a guerrilha promovera havia oito anos, ao inaugurar as
hostilidades independentistas com o massacre de sete mil civis desprevenidos,
começava a fazer parte do passado nas consciências assoberbadas pela
sobrevivência normal do dia-a-dia. Esses ataques haviam ocorrido no Norte e
surpreendido as Forças Armadas Portuguesas, na altura muito impreparadas
para uma ofensiva de tal envergadura. Agora o dispositivo militar era outro.
Não obstante, a guerra deslocara-se sorrateiramente para o Leste, com os