cheiro a putrefacção de carne humana, que emanava da piscina, apanhou
Regina desprevenida, invadiu-lhe as narinas com uma violência avassaladora
e derrubou-lhe as últimas defesas, levando-a a correr para longe em busca de
ar puro, incapaz de conter a revolta do estômago. Patrício foi atrás de Regina,
para a socorrer, mas acabou igual a ela, prostrado de joelhos na terra e
sacudido por vómitos que já não podia dominar.
Demoraram-se ainda três quartos de hora, o tempo indispensável para se
recomporem do choque e para darem uma espreitadela corajosa a um grande
armazém, ali a cem metros da casa principal, à espera de depararem com mais
algum horror. Mas não, o armazém tinha sido transformado em camarata para
os homens e, como estivesse vazio no momento do ataque à fazenda, não
mereceu o interesse da fúria destruidora dos assaltantes.
Entraram no jipe convencidos de que o espectro suspenso à tona da água
eram os restos mortais de Silva Pinho. Não o conheciam e, mesmo que assim
não fosse, também não lhe viram a cara. Mas pouco importava. O homem
tivera a sua guerra, a sua teimosia, e arrastara consigo a mulher e outros trinta
e três infelizes. Era difícil de entender, ou talvez não. Patrício supôs que,
afinal de contas, uns e outros haviam morrido a fazerem o que tinham de
fazer. Silva Pinho entrincheirara-se na única vida que conhecia e a mulher
fizera o mesmo, talvez por se ter recusado a abandonar o marido, talvez por
não conceber uma velhice a definhar na tristeza e na saudade. Já os
mercenários, bem, esses, definitivamente, sabiam no que se estavam a meter
e, para eles, morrer a combater não era surpresa, era parte do ofício. Naquela
época, o negócio da guerra florescia em Angola e atraía soldados da fortuna
oriundos dos quatro cantos do mundo. O país estava mergulhado no caos e
havia trabalho e dinheiro em abundância. O mais notável era o francês Gilbert
Bourgeaud, nome de guerra Bob Denard, figura mítica que fizera carreira a
comandar insurreições um pouco por toda a África e Médio Oriente, em
secreto conluio com o SDECE, os serviços secretos franceses e,
evidentemente, com a aprovação tácita do governo de Paris. Hoje em dia, Bob
Denard emprestava a sua perícia militar ao enfraquecido exército de Jonas
Savimbi, pago com o dinheiro da CIA.
O jipe desceu a ladeira, atravessou o limite da propriedade. Afinal, sempre
havia uma explicação para aquele portão derrubado, pensaram os dois,
desolados, sem nada comentarem. Voltaram à direita, na estrada de terra
batida, agora enlameada e escorregadia porque começara a chuviscar.
Regressavam a Luanda sem imaginarem que iam direitos a uma emboscada