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Entraram em Luanda ao fim da tarde e Patrício calculou que, se fosse caso
disso, ainda chegariam a tempo ao aeroporto, mas não insistiu no assunto,
porque pressentiu a tempestade no ar. Em vez disso, sugeriu um passeio à
Ilha. Regina encolheu os ombros, ensimesmada numa apatia.
Foram sentar-se na praia a ver o Sol descer sobre o mar, uma imagem
pacífica, de uma beleza extraordinária, que desmentia categoricamente o
horror das últimas horas. A guerra parecia tão longe e os massacres, as
emboscadas, os tiros, impunham-se na mente como sonhos maus em que não
se podia acreditar. Um avião da TAP deixou um rasto branco à frente do sol
vermelho e o vento ameno trouxe o rumor surdo dos motores esforçados. Lá
se vai a minha boleia, pensou Regina. Lá vai ele, pensou Patrício. Trocaram
um olhar silencioso. Paciência, queria dizer a expressão de Regina.
Dois dias mais tarde, a cinco de Novembro, o exército português retirou
inesperadamente da parte civil do aeroporto. Nessa mesma noite, Patrício
atravessou um terminal fantasma onde, ao longo dos últimos meses, milhares
de civis se tinham amontoado horas e dias a fio, desesperados por um voo.
Subiu ao primeiro andar e colou-se à janela panorâmica que dominava a pista
deserta, mas iluminada por duas filas de luzes brilhantes, vermelhas,
paralelas, sinal de chegada iminente de avião. Patrício vinha na esteira de uma
dica que nessa tarde alguém lhe havia soprado ao ouvido durante um
telefonema de rotina. E em boa hora o fez, porque assim teve a felicidade de
testemunhar a discreta, mas histórica, aterragem dos quatro primeiros aviões
da Cubana Airlines . Tinha estado a chover muito, mas nos últimos minutos a
tempestade amainara. Patrício viu o pessoal de terra acoplar escadas,
sucessivamente, aos quatro aparelhos e, pouco depois, confirmou a presença
de dezenas de soldados cubanos em solo angolano. Estes desceram as escadas
metálicas debaixo de um chuvisco persistente e transitaram directamente para
camiões de transporte militar estacionados ali ao lado, na pista. Fidel manda
ajuda a Neto , escreveu ele no seu bloco de apontamentos, está quebrado o
cerco à cidade e o isolamento do MPLA . Luanda talvez já não caísse para o
inimigo. Ao lado de Patrício, um jornalista polaco que também observava as
tropas a desembarcarem dos Britannia da companhia aérea cubana, sorriu-lhe.
Era um sorriso aliviado, que ele devolveu de boa vontade. Com sorte , pensou ,
já não morro na próxima segunda-feira.
Nos dias que se seguiram à visita à fazenda, Regina viu-se sozinha a