em lugares recônditos e inóspitos, onde os homens se viam a criar raízes para
travar o passo à guerrilha que se infiltrava além-fronteiras, internando-se no
território angolano por picadas que atravessavam florestas densas,
labirínticas. Logo se começaram a organizar apostas, por vezes em dinheiro,
por vezes em cigarros, e a malta vinha ocupar lugar na primeira fila da plateia
de troncos deitados na orla da selva, para verificar in loco se o habilidoso do
DO-27 conseguia aterrar em segurança ou se se desintegrava a tentar. Depois
era uma festa, enquanto uns poucos acorriam para concretizar a transacção, os
outros explodiam em palmas e vivas ao piloto que viera quebrar a monotonia
da guerra com o seu número de circo.
Compreendia-se que homens endurecidos pela brutalidade dos elementos,
esquecidos no meio do nada e cientes de que poderiam morrer a qualquer
momento, achassem piada ao risco insensato que Nuno corria ao aterrar no
meio do seu inferno, mas, em compensação, pagavam bem caro o
divertimento, pois ele cobrava-lhes somas absurdas pelas encomendas. Com o
tempo, aliás, estas foram-se tornando cada vez mais extravagantes e Nuno deu
consigo a transportar pacotes de liamba, pistolas de guerra e facas-de-mato no
meio de caixas de medicamentos, lotes de pentes, revistas pornográficas e
garrafas de uísque.
Algumas vezes era preciso transportar feridos de volta. Mal aterrava
requisitavam-lhe o avião, esvaziavam-no em segundos para fazerem entrar os
feridos, deitados em macas ou amontoados uns contra os outros, conforme o
número de baixas, porque o espaço não dava para muito, e entravam sacos de
soro, tubos ligados aos braços, estojos de primeiros socorros, rolos de gaze,
pensos, seringas, uma panóplia incrível de hospital, em breve toda ela
espalhada pela cabina num caos de sala de operações. Acomodavam os tipos
maltratados, envoltos em ligaduras brancas de múmias egípcias onde
alastravam alarmantes manchas vermelhas. Eram vítimas de guerra, de
acidentes, o que fosse, estropiados cujas vidas se esvaíam a caminho do
hospital, perdendo sangue aos borbotões enquanto um médico impotente
tentava desesperadamente estancar-lhes a sangria, substituindo pensos
empapados atirados para o chão por outros novos que logo ficavam iguais aos
anteriores. Nuno deitava uma espreitadela céptica por cima do ombro, por
cima dos óculos de sol, e tornava a voltar-se para a frente sem fazer
comentários, abanando a cabeça desconcertado, porém já rotinado naquelas
cenas de terror.
Da primeira vez que lhe acontecera uma daquelas, mal viu as macas de lona