O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

a avançarem para o avião, começou logo a fazer sinais frenéticos aos soldados
que as transportavam. Um alferes adiantou-se, Nuno abriu a portinhola de
vidro acrílico e inclinou-se para o ouvir debaixo do estrondo ensurdecedor do
motor.


— Tem de levar já estes homens para Luanda! — gritou o alferes para se
fazer ouvir. Eram dois soldados negros com ferimentos de balas, em estado de
choque, de olhos muito abertos, aparentemente espantados com a agitação
toda que se desenrolava à volta deles, assombrados pela morte, qual
fantasmas de si mesmos. Nuno abanou a cabeça muitas vezes.


— Não, não, não — disse, ou gritou. — Não posso. Isto não é uma
ambulância!


— Ouça, amigo — replicou o alferes. — Estes homens têm de ir já para o
hospital. Ou você os leva ou, da próxima vez que quiser aterrar aqui, é corrido
a tiro. E pode enfiar a sua mercadoria no cu! Estamos entendidos?!


Nuno abanou outra vez a cabeça, mas agora para dizer que sim, a pensar
que se pões as coisas nesses termos, meu amigo, não se discute mais o
assunto
.


Okay! — respondeu. — Eu levo-os.
De modo que, embora o transporte de feridos fosse uma chatice, um
contratempo, não teve alternativa senão conformar-se, encarando aquilo como
parte do negócio, a parte má do negócio, bem entendido, mas, em todo o caso,
incontornável, dado que ficara logo muito claro que o exército levava bastante
a mal uma recusa. E, bem, o cliente tinha sempre razão.


De resto, ele não era o único piloto civil a prestar esse tipo de apoio
voluntário aos soldados no teatro de guerra, havia muitos outros que o faziam
a toda a hora, desinteressadamente, pelo que negar uma evacuação de
urgência o deixaria mesmo mal visto perante os oficiais. E Nuno não queria,
definitivamente, irritar os oficiais.


Estas coisas só aconteciam nos lugares mais difíceis de aterrar, nunca nas
bases onde havia pistas a sério. Nuno via logo o filme todo ao pousar. Das
duas uma, ou havia uma plateia festiva, uma turba ruidosa de braços no ar e
garrafas de cerveja nas mãos a celebrar a aterragem perfeita, ou tinha um
comité de recepção carrancudo que avançava para o avião a transportar
macas, abria-lhe as portas, despejava-lhe a carga e fazia entrar os feridos,
acompanhados por um médico se necessário. Recebia instruções, partia.
Horas mais tarde, depositava-os numa pista onde já eram esperados pelas
ambulâncias e, nas mais das vezes, era preciso limpar o interior do avião,

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