O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Os dois F-84 Thunderjet passaram pelo DO-27 a muito baixa altitude e a
uma velocidade que deu a Nuno a impressão de estar parado no ar. Só os viu
bastante depois, lá em baixo, em formação de combate. Os caças
bombardeiros estavam armados com seis metralhadoras de 12,7 mm
instaladas no nariz e 1815 quilos de bombas suspensas nas asas e na
fuselagem. Eram os últimos da sua geração, uma espécie em extinção, em
breve seriam abatidos ao serviço. De fabrico norte-americano, os F-84
equipavam a Força Aérea Portuguesa desde 1953, mas ainda podiam fazer
muitos estragos. Ao fim de uns minutos, já bastante longe, Nuno reparou que
os caças ganharam altitude, inflectiram para a direita e, após uma segunda
volta de 180 graus pela esquerda, fizeram uma passagem baixa sobre uma
frente de floresta onde largaram as bombas, logo ganhando altitude e, dando
uma volta imediata pela esquerda, retomaram o rumo em sentido contrário, na
direcção do monomotor. Após a passagem dos aviões sobre a floresta, ergueu-
se atrás deles uma cortina de fogo de dimensões impressionantes, que cobriu
as árvores desde o solo às copas e ainda mais alto do que estas, eclipsando-as
debaixo de um inferno. Napalm , disse Nuno a falar sozinho, horrorizado,
referindo-se às bombas incendiárias feitas de gasolina gelificada, as quais, ao
explodir, queimavam toda a área atingida, destruíam as árvores e matavam os
guerrilheiros que se acoitavam sob elas, transformados em tochas humanas de
um momento para o outro. Os homens, os animais, as árvores, qualquer fonte
de vida a que o gel inflamado se colasse, ardiam até à alma, até aos ossos, até
às raízes. Nada ficava de pé quando os aviões ateavam uma fogueira de
napalm . Era uma arma extremamente destruidora e cruel, mas quem é que se
preocupava com isso?


Mesmo sabendo que se tratavam de aviões amigáveis, a visão dos dois
aparelhos em aproximação causou-lhe arrepios. Sentiu-se tentado a mudar de
rota para se afastar deles, mas, pensando melhor, uma manobra evasiva
poderia levantar suspeitas e Nuno sabia como era fácil os incidentes
acontecerem devido a simples mal-entendidos. Decidiu que era preferível
manter a rota e rezar para que os caças não decidissem embirrar com ele. De
qualquer forma, se os tipos quisessem alcançá-lo não tinha qualquer hipótese
de fuga, portanto, o melhor mesmo era continuar tranquilamente na sua
vidinha e não fazer nada que lhes espicaçasse a curiosidade. Respirou fundo,
cantarolou uma musiquinha para descontrair e, ao cruzar-se com eles, até os
saudou com um abanar de asas simpático, mas os dois caças bombardeiros,

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