O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

imponentes como tubarões de águas profundas, passaram a cerca de mil
metros de distância, ignoraram o monomotor e seguiram o seu caminho.
Arrogantes de merda, rosnou Nuno, irritado com a sobranceria dos pilotos.
Por momentos, esqueceu-se de que ainda há pouco olhava para eles como uns
filhos da mãe perigosos e sentiu-se vexado por lhe terem dado tão pouca
importância que nem se incomodaram a interceptá-lo.


Sobrevoou a área bombardeada. Visto do céu, o panorama não poderia ser
mais desolador. A floresta virgem era agora pasto de chamas, consumida por
um incêndio violento, rolos de fumo negro escapavam-se de toda a zona
afectada e elevavam-se para o céu. Nuno presumiu que o alvo dos F-84
tivesse sido algum grupo de guerrilheiros em progressão por uma das linhas
de infiltração com origem na Zâmbia. Era curioso, pensou, a revolução ainda
não tinha uma semana e em Lisboa a populaça já gritava na rua nem mais um
soldado para as colónias
, mas ali a guerra continuava como sempre. Talvez
fossem os derradeiros estertores da cobra assassina, ponderou.


Os movimentos de libertação angolanos tinham chegado a 1974 bastante
enfraquecidos, quase inactivos, mas, como o novo poder em Lisboa já fizera
saber que os combates não cessariam enquanto os movimentos não
depusessem as armas e aceitassem uma solução política, seria natural que a
febre de poder destes, a desconfiança relativamente aos brancos e a previsível
desmobilização moral das tropas portuguesas encorajassem a guerrilha a
tentar algumas acções bélicas espectaculares. Tratava-se de ganhar músculo
para negociar a paz numa posição de força.


Pessoalmente, Nuno era adepto da livre iniciativa e não gostava dos
comunistas com os seus ideais colectivistas. Parecia-lhe que o novo
Movimento das Forças Armadas, com os seus militares revolucionários
esquerdistas, não prometia nada de bom para os portugueses de Angola. Ele
sempre se estivera positivamente nas tintas para a política, para os tipos que
defendiam o fim do regime e a descolonização, assim como também não
morria de amores pelos defensores das teses independentistas. Preferia ver as
coisas pelo lado prático, que era como quem dizia, pelo lado que servia os
seus próprios interesses. Contudo, Nuno achava que a guerra tinha os dias
contados, pelo menos a que envolvia as tropas portuguesas, e, portanto, o seu
negócio também.


Passados cinco anos desde a sua chegada, recordando agora as implicações
que o haviam levado a partir para África, Nuno já não conseguia explicar a
escolha de Luanda como destino. Sabia exactamente o que o obrigara a partir,

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