sondar-lhe o estado alcoólico pelo ressonar profundo e então revistá-lo e tirar-
lhe o dinheiro. Roubava-lho todo, que nunca era muito, nas mais das vezes até
nem era nenhum, mas roubava-o com a certeza de que no dia seguinte ele não
se lembraria se lhe tinha sobrado algum ou se o gastara na taberna do bairro,
onde costumava confessar em voz alta a sua vida aos bocados e onde era
gozado, humilhado e escorraçado por outros falhados iguais.
Vivaço, inteligente, Nuno aprendeu a desenrascar-se por conta própria. Na
escola era o líder do recreio. Insinuava-se pela lábia ou, se necessário,
impunha-se pelos punhos. Fosse como fosse, era apreciado pelos colegas, que
o punham nos píncaros, bebiam as suas palavras, seguiam o seu exemplo.
Nuno adorava isso, adorava aquele ambiente onde se sentia um rei e onde não
era ignorado ou visto como um estorvo no caminho de um bêbado. Foi o que
o prendeu aos estudos, isso e o apoio dos professores. Estes reconheciam-lhe
qualidades, percebiam a sua influência sobre os colegas e incutiam-lhe o
sentido de responsabilidade, incentivavam-no a estudar para seu bem e para
que fosse um bom exemplo para os outros.
Nuno acabou o liceu, mas antes disso já fazia os seus biscates. Gostava de
negócios, era um vendedor nato, capaz de impingir qualquer coisa a qualquer
um. Aos dezassete anos comprou o seu primeiro fato, duas camisas, outras
tantas gravatas, uns sapatos novos e conseguiu o primeiro emprego. Foi num
stand de automóveis em segunda mão, ali bem perto do liceu. Na realidade, a
sua intenção era conseguir um lugar no hotel que ficava no outro lado da rua,
mas acabou por ficar no stand . O dono do hotel, um simpático senhor de
cabelos brancos e modos educados, costumava trocar de Porsche no stand.
Nuno passava por ali todos os dias e gastava sempre alguns minutos a
namorar uma moto de alta potência que só poderia comprar em sonhos. Numa
dessas suas paragens em frente à montra, Nuno surpreendeu o dono do stand
e o hoteleiro à volta de um belíssimo Porsche verde garrafa. Ora, ao perceber
quem era o cliente de gestos suaves, Nuno teve uma ideia brilhante, que não
era assim tão brilhante e até talvez fosse bastante disparatada, mas na altura
pareceu-lhe infalível.
O seu plano consistia em fazer-se passar por um potencial comprador da
moto, ganhar a simpatia do vendedor e convencê-lo a recomendá-lo ao dono
do hotel. Como precisava de roupa apropriada, foi pedir dinheiro emprestado
ao seu professor preferido. Na verdade, ele é que era o seu aluno preferido, o
que, mais uma vez, constituía uma vantagem que merecia ser explorada.