convencê-las a fazerem-lhe a vontade. Era bonito, sedutor, em suma,
irresistível. Vendeu carros uns atrás dos outros, pagou a moto, ganhou
dinheiro, ficou com o emprego. Arrendou um apartamento pequeno, limpo e
luminoso. Finalmente podia respirar, livrar-se da imundície crónica em que
crescera.
Decidiu que era altura de riscar o pai definitivamente da sua vida, embora
acabasse por perceber que, afinal de contas, não lhe era fácil desligar-se,
cortar relações, fingir que ele não existia. Havia um laço emocional, uma
mágoa, uma necessidade da aceitação paterna que o obcecava. Era algo
inexplicável, dadas as circunstâncias, mas, ainda assim, insuperável. Nuno
haveria de se surpreender a visitar o pai regularmente, a tentar resgatá-lo da
indigência, a limpar-lhe a casa e a lavar-lhe a louça e a encher-lhe o
frigorífico com alimentos frescos em que o pai não tocava. Fazia o que podia
para transformar a sua miserável vida em algo um pouco mais confortável,
tinha vontade de o abanar violentamente, tal era a frustração de o ver a cair
aos bocados, a definhar numa bebedeira perpétua. Havia noites em que o ia
buscar à taberna, arrastava-o para casa, cheio de paciência, sem ligar aos
gritos e aos insultos, ajudava-o a deitar-se. Comprava-lhe roupa — deitou fora
as botas gastas e ofereceu-lhe umas novas, apesar dos protestos. Dava-lhe
banho, falava com ele mesmo sem obter resposta, confortava-o. Quis amá-lo e
ele não deixou, largá-lo e não conseguiu. Afinal, tratou do pai até o ver
moribundo numa cama de hospital, cadavérico, branco e frio como uma pedra
de mármore, destruído pela raiva, pela derrota, pela cirrose.