O Último Ano em Luanda

(Carla ScalaEjcveS) #1

telefone, combinar encontros, fazer as transacções e seguir em frente. Vendia
mais carros em conversa de bar, à volta de um copo, do que sentado num
stand à espera de que alguém entrasse. E não se safava mal, a vida corria-lhe
bem. Trocou de moto e também poderia ter comprado um apartamento
melhor, se aquele que arrendava não lhe parecesse mais do que suficiente.
Para quê maçar-se quando se fundia uma lâmpada no prédio ou rebentava um
cano em casa, se lhe bastava telefonar ao senhorio e o homem resolvia o
problema? Por outro lado, Nuno não era propriamente do tipo caseiro. Saía de
manhã, almoçava e jantava fora, regressava ao fim da noite. Só lá ia dormir e,
embora acanhado e sem gosto, comparado com a casa do pai, este
apartamento parecia-lhe luxuoso.


De modo que andava constantemente a correr de um lado para o outro,
sempre atarefado, encavalitando reuniões, multiplicando-se em
compromissos, chegando a um encontro de mão estendida e a justificar o
atraso por causa de um cliente importante, um advogado conhecido ou um
quadro superior de um banco, a quem, dizia, arranjara um BMW quase novo,
impecável, a um preço impressionante. Era o dia todo nisto, só parava para
descontrair depois de jantar com mais algum potencial cliente. Já a noite era
feita para outras coisas, para beber um copo nos bares mais badalados, na
boîte mais exclusiva, onde encontrava caras conhecidas e conversava com
quem estava enquanto deitava um olhar predador às mulheres disponíveis.
Também fumava o seu charro e, ocasionalmente, ao fim-de-semana metia
uma pastilha para andar por aí a curtir o mundo em padrões caleidoscópios. A
certa altura deu-se conta de que havia sempre os tipos desprevenidos que lhe
vinham cravar uma pastilha ou um charro, e até nem se importavam de pagar
porque naqueles ambientes luxuosos de ar condicionado, música da moda e
roupas caras, dinheiro era coisa que não faltava.


A princípio não pretendia fazer negócio, vendia uma ou outra pastilha pelo
preço que lhe custara, só para ficar em casa. Não se importava de fornecer
algum conhecido que desejasse fazer-lhe companhia numa trip , mas, que
diabo, não tinha de andar a financiar o vício dos outros. Em breve, porém, as
transacções ocasionais começaram a tornar-se mais frequentes porque a
palavra corria depressa e, quando Nuno deu por isso, era abordado por cada
vez mais gente interessada em comprar-lhe uma passagem para a Lua. De
repente não eram só os amigos e já lhe apareciam à frente desconhecidos que
tinham ouvido dizer que ele é que era o «homem das pastilhas», o que se

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