— Não.
— Ontem à noite querias ficar comigo para sempre.
— Isso foi ontem à noite.
— Que se passa contigo?
— Nada.
— Enganaste-me bem.
Um sorriso irónico, um abanar de cabeça:
— Querida, poupa-me...
— Não sejas condescendente.
— Não te faças de vítima.
— Tudo bem, vou-me embora.
— Também acho melhor.
— És uma grande besta, sabias?
— Pois sim, e tu és uma virgem ingénua que nunca tinha feito isto.
— Isto, o quê?
— Conhecer um gajo de noite e acordar com ele de manhã. Foder sem
compromissos.
— Filho da mãe...
— Não batas com a porta da... — pum! — Foi-se...
Amar uma mulher implicaria a insuportável condição de partilhar com ela
um passado sinistro e traumático que nada tinha a ver com a imagem de
playboy feliz que Nuno espalhava pela noite de Lisboa. Depois de sair de casa
do pai, levantara uma barreira intransponível entre as recordações dolorosas,
inconfessáveis, e a sua nova e sedutora vida. E agora sentia-se encurralado
numa situação impossível. Não podia apaixonar-se porque, pura e
simplesmente, era-lhe inconcebível revelar a uma mulher quem ele era na
realidade. Varrera para debaixo do tapete toda a sujidade de antigamente e não
via como levantar uma ponta do seu triste passado e desfiar todas as misérias
de então. Passaria por impostor, inevitavelmente, um fingidor que andava a
representar uma vida falsa. Não teria coragem para levar a futura mulher a
casa do pai e dizer-lhe este bêbado que aqui vês vai ser o teu sogro e este